A série A e a série B do Software Livre

Grandes e pequenas empresas brasileiras de TI se dividem em dois campeonatos distintos cheios de lama e várzea ou de holofotes e medalhas. Qual o seu?

O software livre, aquele que permite sua livre distribuição sem pagamento de royalties e o uso e adaptação do código para qualquer fim, tornou-se em 2004 uma verdadeiro divisor de águas no mundo corporativo. Empresas conseguiram neste ano elevar, principalmente o Linux, principal representante do modelo, ao status de “negócio” e de “confiável”, algo esperado por todos àqueles que vivem da tecnologia da informação e que vêem uma nova oportunidade.

Mas atrás de toda a festa pelo fim do campeonato “free software” de 2004, existe uma gritante divisão onde, na série “A” estão empresas como IBM, Oracle, SAP, Novell, e agora, a brasileira Microsiga, que podem usar de todo o tipo de contrato milionário para montar o melhor elenco e jogar nas praças iluminadas pelos holofotes das câmeras de televisão, caminhar sobre tapetes vermelhos, azuis ou verdes, dependendo do estádio que será usado para a apresentação e, em comum acordo, acertarem com o juíz e com a federação qual o resultado de cada uma das partidas. Com um escrete montado por jogadores de primeira linha nas posições de negócios e marketing, tem-se uma verdadeira seleção que inevitavelmente ganha todas em todos os lugares.

Já do outro lado, na série “B” (ou seria “C”?), estão amontoadas mais de 3 mil micro e pequenas empresas de todo o país que tentam, de uma forma ou de outra, não conseguir a ascensão para a série A, mas sim fugir do rebaixamento para a série “F”, ou seja, a falência. E para ajudar o fantasma da série distante mas que a cada dia chega mais perto, contam com um time jovem dentro do plantel que ainda não sabe se chuta a bola para o lado do modelo proprietário ou do modelo livre.

O resultado é aquele que vemos diante da TV todos os domingos: a série A sempre televisionada, sempre na mídia e sempre dando o show, enquanto a série B fica relegada às TV’s locais e rádios piratas das cidades de origem de seus times. Trazendo para o mundo corporativo, temos gordos contratos na mão de poucos e as migalhas para muitos.

Tal como o campeonato futebolístico de que tanto nosso presidente gosta (principalmente quando o Corinthians ganha), existem regras do jogo que são básicas para todos, mas podendo ser “flexibilizadas” pelos grandes times. Dentre elas estão não jogar em campo de várzea, não jogar mais que duas vezes na semana, seguros de vida para todos e premiações polpudas. Isso tudo devidamente aceito pela CBFS (Confederação Brasileira do Free Software) representada pelo governo federal que insiste, a cada dia, em manter as duas séries em funcionamento mesmo com as gritantes diferenças entre elas.

Infelizmente, enquanto os portões da série “A” estiverem fechados para as demais, sejam pela absurda carga tributária, sejam pela falta de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento, ou ainda pela flexibilização concedida aos grandes times, continuaremos a ver e ter no ano de 2005 o mesmo campeonato de hoje: alguns dando a volta olímpica e comemorando suas parcerias milionárias e suas “conquistas” pelos gramados dos clientes corporativos e governamentais, enquanto outros simplesmente lutam para não serem rebaixados e revelam para os grandes times os melhores jogadores que, obviamente, por melhores salários e melhores “bichos”, migram esperando conseguir algo melhor para suas famílias, ajudando assim a equação que nunca fecha.

Feliz 2005, justo!