Pontos fracos do Software Livre. Quais?

Há alguns dias tomei ciência de um artigo publicado num jornal eletrônico da UFCG intitulado “Pontos Fracos do Software Livre comparado ao Software Proprietário” e, por questões óbvias, escrevi ao autor para esclarecer os vários pontos comentados no mesmo.

Aqui está a carta enviada em 21/05 ao mesmo. Boa leitura.

Caro Natã;
Tive a oportunidade de ler seu artigo publicado no jornal PET-News da UFCG intitulado “Pontos fracos do Software Livre comparado ao Software Proprietário” e gostaria de tecer alguns comentários sobre o texto em questão.

Não se discute que o software livre possui pontos fracos pois tal afirmação é simplesmente “chover no molhado”. Pontos fracos são inerentes à todos os softwares para todas as áreas e tal como os seres humanos, eles também possuem vantagens e desvantagens ou, para bem me fazer entender, diferenças mais ou menos acentuadas de acordo com cada ponto de vista aplicado ao mesmo.

Entretanto “verdades” devem ser esclarecidas para que o público leigo não seja induzido a conclusões das quais podem se arrepender futuramente. Cito os “pontos fracos” comentados por você no artigo, que são as interfaces não uniformes nos aplicativos, a instalação e aplicação difícil em sua maioria e mão de obra custosa ou escassa. Em cada um destes pontos, ou faltou esmero para a pesquisa de fatos e informações ou simplesmente deixou-se passar no intuito de induzir terceiros ao erro.

Interfaces
O primeiro ponto, logo na introdução, interfaces, traz uma dúvida à todos: de que interfaces estamos falando? Se é a interface do sistema operacional, tenho que discordar pois a mesma segue os mesmos padrões da interface Windows; botões de eventos nos cantos superiores das janelas, menus alinhados no canto superior esquerdo, as mesmas opções para ações e assim por diante. Se estamos falando de interfaces de aplicativos, novamente discordo pois estas são próprias de cada um dos aplicativos e do sistema operacional não do software livre. Somente para lembrança, o sistema operacional Mac OS/X possui uma GUI diferente do SO Windows e nem por isso a mesma é um ponto fraco; ao contrário, ela é considerada uma das mais intuitivas e eficientes atualmente existente. Isso tanto é verdade que a GUI Windows tem como origem a primeira interface da Apple e até mesmo Mark Shutteworth, criador do Ubuntu, comenta sobre a mesma incitando a comunidade ao redor do Linux a aproveitar os ensinamentos da companhia para melhorar a própria interface.

Como não quero me passar por desentendido, creio que esteja comentando sobre as GUI’s Gnome e  KDE existentes no SO Linux (e em outros também). Em momento algum isso pode ser considerado um problema ou “ponto fraco”; a menos que a existência de duas caixas de sabão em pó diferentes, dois tipos de tapiocas diferentes e dois estilos de música diferentes também sejam. Simplesmente existem duas opções e o usuário pode optar por uma ou outra de acordo com seus interesses, desejos e até mesmo preferências estéticas. Assim, se o número de opções é algo “fraco”, penso que a indústria automobilística se equivoca há pelo menos 80 anos na contínua criação de modelos diferentes de carros, ocorrendo o mesmo com a indústria de telefones celulares e tantas outras.

Dizer que o desenvolvimento descentralizado faz com que interfaces sejam criadas equivocadamente é leviano ou ao menos, ignorante da matéria. Tanto a GUI Gnome quanto KDE possuem guidelines para o desenvolvimento de interfaces que estão disponíveis na Internet para qualquer programador consultar e segui-las. Elas podem ser vistas aqui e aqui.

Mas me atenho a outro ponto: o que é desenvolvimento descentralizado que diz ser uma desvantagem? Seria aquele realizado em diversas partes do mundo por programadores de culturas, idiomas e religiões diferentes? Se sim, estamos num impasse pois a grande maioria dos projetos de software atualmente desenvolvidos contam com profissionais espalhados em todos os cantos do planeta. Isso acontece na Microsoft, Oracle, Apple, Adobe como também com o software livre. Então, o que é “desenvolvimento centralizado”? Algo como um curral onde lá estão diversos programadores confinados tal como gado?

Instalação? Quem tem medo dela?
Também comentou-se sobre a instalação e aplicação difícil. Descarto a questão de aplicação difícil porque não compreendi se está tratando “aplicação” como um aplicativo ou como uma injeção que é aplicada em uma pessoa. Mas no tocante a instalação, novamente venho discordar de seus comentários. Aplicativos como Open Office, Firefox, Gimp e outros milhares livres são tão fáceis de serem instalados como seus equivalentes proprietários, podendo inclusive, em sua grande maioria, serem instalados tanto em Linux quando em Windows e Mac, todos da mesma forma. Dito isso, a afirmação de que os programas livres são mais difíceis de configuração é posta por terra pois nem mesmo afirmar que “11 opções para escolha” é problema, a menos que existirem dezenas de modelos de celulares diferentes também seja ou problema.

Profissionais
Tenho que concordar que o número de profissionais de software livre, especificamente em Linux, é escasso. Ao mesmo tempo gostaria de lembrá-lo que o Linux (especificamente este) possui somente dezessete anos de vida, dos quais nove efetivas como uma opção para a grande massa. Se comparado com um sistema operacional de vinte e seis anos, decerto o número de profissionais será menor. Entretanto o que é considerado um problema por você pode ser uma solução para muitos, principalmente quando são oportunidades. Com uma demanda crescente e escassez de profissionais, aumenta-se as oportunidades para atuação nesta área tanto de pessoas quanto de empresas, as quais podem sair do lugar comum e da “abundância”.

Não querendo novamente passar-me por ignorante, gostaria de lembrar que atualmente existem empresas capacitadas a darem suporte para todas as principais demandas de empresas, órgãos governamentais e instituições de ensino de todos os segmentos. IBM, Red Hat, MySQL, H&P, Oracle e outras possuem seus produtos para software livre (Linux) e suportam tanto aquilo que criaram como o próprio sistema operacional.

Lamentavelmente não existe
Novamente concordo com a frase “é fato que muitos aplicativos não estarem disponíveis para sistemas de software livre”. Infelizmente, para alguns, não existe uma versão do Adobe Photoshop para Linux (especificamente) ou ainda um Aperture 2 (que seria meu sonho de consumo). Isto não acontece por questões do software livre em si mas pelo mercado de software mundial. É um ponto fraco? Sim, para quem usa software livre somente e não para outrem. Alguns usuários gostariam de sair do problemas causados pelo SO Windows e caminhar para Linux mas não o fazem estritamente por esta questão e pela dependência de determinado aplicativo.

Mas nem tudo está perdido. Existem várias opções livres que são similares em recursos, piores em alguns aspectos e melhores em outros dentro do software livre. Ferramentas como Gimp, Inkscape, Pidgin, FreeMind, Audacity fazem as vezes dos aplicativos proprietários e, na sua grande maioria, a performance total extrapola as necessidades e espectativas dos usuários.

Outra vez equivoca-se quando diz que a Receita Federal não mais irá disponibilizar o aplicativo de declaração de imposto de renda a partir do próximo ano. Foi descartada a criação de um aplicativo específico para as plataformas Linux e Mac (que é proprietária) mas a versão em Java que pode ser executada nestas plataformas continuará a ser oferecida.

Finalmente, considero que seu artigo peca em diversos pontos por, como já comentado, falta de esmero na pesquisa sobre o tema. Como já dito, pontos fracos e fortes existem em todos os sistemas e segmentos da economia mas certamente não são os listados por você que fazem o software livre como um todo ser algo sem vantagens para o crescimento da economia ou do conhecimento humano. Ao contrário, ele é uma grande oportunidade para pessoas e empresas que podem, de um lado, oferecer produtos e serviços com menor concorrência e de outro, aproveitar-se do custo de aquisição reduzido (para não dizer inexistente), da redução de necessidade de suporte, do aproveitamento de hardware dito obsoleto e principalmente das mínimas ocorrências de paradas não programadas para direcionar investimentos para outras áreas. Isto sim é uma vantagem; o uso eficiente do dinheiro e sábia aplicação do mesmo onde realmente é necessário.