Depois do convite para participar como palestrante no evento Intercon2003, a diretoria do site Imasters cria uma nova coluna para Software Livre onde estarei semanalmente publicando artigos exclusivos. O primeiro deles é este: “Software Livre, para onde caminhas?”
Iniciar uma nova coluna em um jornal ou revista sempre é uma tarefa que vem com um grande desafio atrelado. Atender aos anseios e interesses de uma comunidade de leitores formada por pessoas dos mais diversos tipos e idéias é certamente uma tarefa das mais complexas existentes (se souber qual é o segredo para agradar gregos e troianos, me conte por favor). E, escrever uma coluna “teórica” para um site “prático” como o Imasters é naturalmente uma responsabilidade ainda maior, pois, sabendo que o público leitor é, em sua maioria “coder”, conseguir que este desperte o interesse por assuntos não tão técnicos é uma tarefa hercúlea.
Mas como sempre gostei de desafios, este é mais um que abraço com vontade e determinação a convite da diretoria do site, tentando trazer para este seleto público alguns temas e informações que podem, em tempos vindouros, mudar alguns paradigmas de como cada um enxerga a área de tecnologia atualmente.
Como todos podem ter lido no início deste artigo, o foco principal da coluna é falar sobre Software Livre. Aquele que pode ser distribuído sem necessidade de pagamento de licenças, que pode ser copiado sem que o copista seja considerado um “pirata” e que, obrigatoriamente, deve permitir a livre distribuição e modificação do código-fonte existente.
Irei comentar sobre alguns assuntos clássicos que aparecem toda a vez que saio de minha terra natal para palestrar nos confins do Brasil, como a questão da atividade laboral com o Software Livre (ganhar dinheiro pessoal, alguém acredita que não se ganha?), como empresas podem tirar proveito do mesmo, como profissionais podem se preparar para esta nova era e também sobre assuntos que podem afetar a nossa sociedade como um todo em pouco tempo.
Eu sei, eu sei. Muitos aqui arrepiam somente em pensar na possibilidade da distribuição e/ou divulgação de seu código-fonte gratuitamente. Aquele código que o programador passou algumas horas desenvolvendo e que, acredita piamente, conseguir se tornar com ele o próximo Larry Ellison da computação. Mas a história não é bem assim. Se fizermos uma conta bem rápida, saberemos que somente 0,0001% dos profissionais que trabalham com tecnologia conseguem ganhar salários que realmente possam ser chamados de “grandes salários”. O resto? Bem, o resto sofre não é mesmo?. São aqueles que ganham o suficiente para se manter na ativa e pagar os impostos (que não são poucos, diga-se de passagem).
E onde entra o Software Livre nisso tudo?
O Software Livre não é aquele monstro que muitos pintam e que as empresas de software proprietário teimam e fazem questão de chamá-lo de “coisa de comunista” (como se a preferência ideológica por A ou B fosse crime). Certamente ele é muito mais que a mudança de um paradigma. É a volta para a sua condição inicial onde, no início da história da computação, todo o software era livre e podia ser copiado, distribuído e alterado livremente. Ademais, ele não é aquilo que até algum tempo atrás era chamado de “coisa de nerd”. É sim, uma solução tecnologicamente sustentável, socialmente correto e economicamente viável. Dos pontos citados, todos têm sua parcela de importância dentro da seara computacional ou social.
Precisamos ter soluções que permitam ocrescimento intelectual de nossa gente sem a ampliação da vala social como hoje é apresentada; soluções que permitam que o compartilhamento do conhecimento humano possa ser linha-mestra para todos nós e que, obviamente, possa prover à todos, sem exceções, acesso ao resultado de seu trabalho ou, para aqueles que gostam do português rasgado, acesso ao fruto do suor do rosto e do sangue das mãos.
O modelo hoje vigente, de licenças, de pagamento por “coisas” que, ora são idéias, ora são produtos, é excludente socialmente, restringe o acesso ao conhecimento da coletividade e gera benefícios somente à poucos afortunados que puderam, por obra divina, do destino, ou daquilo mais que queiram chamar, ter um berço de ouro salpicado de talco indiano e perfume francês. Este modelo nunca coube para nós (e para ninguém). Foi importado juntamente com programas dominicais de quinta categoria, fast-foods e beldades anoréxicas que bradam a quatro ventos os prazeres e virtudes do “american way of life”.
Hoje temos alternativa. Hoje temos aquilo que até pouco tempo era chamado de “brincadeira de criança”. Hoje existem empresas gigantescas que produzem e adotam o Software Livre. Hoje temos governos de todo o mundo com PIB’s de todos os tamanhos adotando o Software Livre. Não é possível que sejamos “as cobaias da vez” por escolher este caminho. Não é possível e não somos. Mas é possível que mudemos o status-quo.
Precisamos sim é tomar ciência que perdemos vários bondes da história e que, com o Software Livre, temos condições de ser uma grande nação exportadora não somente de matérias-primas, mas também de software, conhecimento e justiça social.
Vamos vivenciar este momento com lucidez. Vamos realmente colocar os “pingos nos i’s” e abstrair do discurso as comparações compradas e de pouca valia. Vamos acreditar que o crescimento humano é obra do coletivo e que todos devem partilhar do mesmo, de uma forma igualitária e não como hoje é apresentado à nós onde poucos têm muito e muitos não têm nada.