Em viagem pela Alemanha estive numa pequena cidade da antiga RDA chamada Erfurt. Com 120 mil habitantes, esta pode ser considerada uma típica cidade alemã: pequena, com um povo que se encontra na rua com facilidade, boa comida e muita, muita cerveja. E no meio disso tudo, a tecnologia dá um show particular, muitas vezes sem os cidadãos perceber.
Os ônibus e trens elétricos, que servem todos os cantos, possuem nos pontos de parada letreiros digitais que informam quanto tempo falta para que a condução chegue. Wireless e sistemas GPS em pleno funcionamento sem que se perceba. Também percebe-se alguns carrinhos de bebês com pequenos dispositivos para mim desconhecidos. Pergunto a uma mãe do que se trata e ela me responde que é um localizador para caso “perca” o mesmo (não sei como é possível perder um filho, mas…). Um aparelho tão pequeno quanto o transmissor está na mão da mãe que, com um mapa da cidade, consegue encontrar seu rebento com 50 centímetros de erro. Impressionante.
Nada disso tem a ver com Linux, pode pensar o leitor, mas, ao entrar na livraria da estação ferroviária, percebo algumas coisas interessantes. A quantidade de revistas voltadas ao Linux e seus irmãos é enorme. Pude contar mais de 10, algumas específicas para uma linguagem ou sistema, como PHP e Red Hat, outras hardcore e outras, ainda, para o usuário básico. Além disso, elas concorrem, lado a lado, com as revistas do software proprietário numa proporção de 3 para 1. Nada mal para um sistema que tem muito pouco uso no desktop e com o usuário final.
Pergunto para uma pessoa que está comprando uma revista destas o porquê de Linux e ele me diz, sem cerimônia: “funciona melhor, muito melhor que o Windows”. Fico grato por aquela resposta a resolvo cutucar um pouco mais, questionando sobre o que ele acha de Munique trocar Windows por Linux. “É o melhor que se tem a fazer”. “Aqui em Erfurt o sistema de localização dos trens funciona com Linux e nunca falha”. Está explicada a pontualidade britânica dos visores eletrônicos.
Isso me remete à uma pessoa que tenho a grata satisfação de chamá-lo de amigo. Miguel Bolaños, ou mais conhecido como Mike, trabalha em um projeto junto com Alan Cox, denominado ELKS – Embembed Linux Kernel System, ou Sistema de Kernel do Linux embarcado, usado em pequenos computadores e sistemas como telefones celulares e PDA’s e, certamente, nestes painéis eletrônicos. Conversando com Mike sobre este projeto, ele vai além e diz que não é somente para sistemas embarcados. Ele pode ser usado em computadores XT e AT286, os quais são encontrados em abundância no terceiro mundo. “Podemos ajudar projetos de inclusão digital em países pobres como a Namíbia ou Peru”, ele comenta.
Neste momento, aguardando uma conexão aérea para Amsterdam, me pego a pensar se isso tudo poderia ser feito com algum software proprietário. Me questiono se existe algum interesse das grandes companhias neste tipo de serviço e trabalho. E a única resposta que encontro, analisando friamente é: não.
Não existe interesse por não dar lucro. Não existe interesse, pois máquinas XT e AT-286 são obsoletas e para nada servem. “O usuário quer mais”, eles dizem. Não é verdade, pelo menos para o terceiro mundo. Para nós, o acesso ao computador e a tecnologia é algo que está engatinhando. E a realidade daqueles que abusam de campanhas de marketing é do usuário com salários acima de US$ 3.000, o que não existe em nossa terra (lembre-se do número de pessoas que vivem no Brasil com menos de US$ 1/dia).
De longe, acompanho o desenrolar da briga entre a Microsoft e Sérgio Amadeu, presidente do ITI que, em conjunto com uma equipe de primeiríssima linha, tenta mudar o cenário caótico da tecnologia e inclusão digital em nosso país. Sua resposta foi soberba; a resposta do silêncio e da indignação por tal feito. Não temos que dar explicações para ninguém a não ser ao nosso povo. Não temos que dizer o que queremos para nós ou não para nenhum estrangeiro. Temos que dar para nós mesmos. E nenhum de nós brasileiros, em qualquer parte do mundo, questionamos Sérgio Amadeu, pois tem-se a certeza que seu trabalho visa a melhoria daquilo que hoje somos.
Precisamos ter cada vez mais acesso às tecnologias emergentes e isso não será alcançado se continuarmos com um ralo aberto, enviando dinheiro para que outros façam aquilo que sabemos fazer. Temos que apoiar iniciativas que tragam ao nosso povo condições de ser uma nação melhor, um povo melhor. E se isso passa pela tecnologia, temos que usar aquilo que existe de melhor.
Seria esta a revolução que está acontecendo nos bastidores e que alguns não desejam que aconteça, chamando-nos de “cancerígenos”?