Regulamentação da informática?

O artigo desta semana da coluna Linha de Data põe o dedo na ferida: projeto do senador Expedito Júnior que obteve parecer favorável semana passada na CCT traz uma nova certificação para o profissional de informática: contraventor.

A área de tecnologia foi chacoalhada com um terremoto vindo de Brasília semana passada. Depois de cinco anos engavetado e esquecido em algum escaninho dos gabinetes da capital federal, o projeto de lei 1947/03 que versa sobre a regulamentação do exercício da profissão de analista de sistemas e todas as correlatas (vai desde o “sobrinho” que instala computador até o DBA) do deputado Eduardo Paes volta à vida pelas mãos do senador Expedito Júnior (PR-RO) e toma corpo com o voto a favor proferido pelo relator, senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), partindo agora para sua etapa final, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e depois para a câmara a fim de ser sancionado.

A primeira vista nada de mais. Este é mais um daqueles projetos que cansamos de ver saindo da Praça dos Três Poderes. Mas observando-o atentamente é possível perceber seus efeitos danosos e principalmente prevê-lo como algoz de milhares de profissionais do país que passarão em questão de meses da condição de profissionais para a condição de contraventores.

O Projeto
Escondido sob bom português o projeto não só regulamenta a atividade mas também a regula colocando cabestro principalmente sobre aqueles que deixaram suas profissões originais para se enveredar pela informática. Além disso, sobretaxa os profissionais que atuam em duas áreas diferentes mas de uma forma ou de outra, relacionadas. De acordo com o texto original, somente os formados em Análise de Sistemas, Ciência da Computação ou Processamento de Dados poderão exercer a profissão de Analista de Sistema, mesmo que seja um cientista e não analista. Ou seja, contribuições de profissionais da área de biologia para o desenvolvimento de softwares não mais será possível. Da mesma forma que profissionais como matemáticos, astrônomos, médicos, advogados, físicos, professores, músicos e quaisquer outras profissões. De bate-pronto o primeiro que perde é o empresário que terá que contratar dois profissionais: um que é aquele que vai colocar no papel sua assinatura atestando o software e outro, o especialista da área que não pode assinar por não fazer parte da “seleção de ouro” escalada pelo projeto.

Mas não é somente o empresário já espremido pelos impostos que sofrerá um baque. O desenvolvimento de softwares também será tomado de assalto por um conselho e sua máquina caça-níqueis. Acabou a “farra” de empresas, micros e pequenas (principalmente), que criam softwares para as mais diversas áreas. Não mais teremos médicos desenvolvendo softwares e emprestando seus conhecimentos multidisciplinares para a sociedade e o mesmo irá acontecer com advogados, dentistas e com todas as outras áreas do conhecimento. Ao invés de serem criados mecanismos para ampliar e fomentar a indústria nacional de software, criam-se amarras dignas do período colonial de nossa terra.

Como isso tudo ainda é pouco, equívocos foram cometidos (ou colocados de propósito) dentro do texto original para confundir e gerar o medo entre os profissionais. A redação do artigo II, parágrafo III, que trata sobre aqueles que poderão exercer a profissão é um perfeito exemplo disso: os que, na data de entrada em vigor desta Lei, tenham exercido, comprovadamente, durante o período de, no mínimo cinco anos, a função de Analista de Sistemas e que requeiram o respectivo registro aos Conselhos Regionais de Informática. Com esta afirmação derruba-se a tese apresentada no parágrafo anterior deste artigo. Mas existe um porém; a lei não especifica em nenhum momento e tampouco usa de uma regulamentação para informar como será comprovado o exercício da função. Diante disso fica mais uma vez caracterizado o interesse não na organização, mas sim em engordar os cofres do conselho. A partir do momento que não existem regras claras, o jogo pode ser manipulado de acordo com interesses, bons ou ruins. Assim não irá me impressionar se aquele “sobrinho” sem pêlo na cara entrar pelas portas do conselho e ser aprovado como analista de sistemas. Ou, de outro lado, um exímio programador que já desenvolveu softwares mundialmente famosos não ter sua “carteirinha” pela falta do diploma, fato comum em nosso país que inclui inclusive o próprio senador e o presidente da república.

Tem mais. Até mesmo professores daquelas escolinhas de informática em bairros ou instrutores de projetos como os telecentros de São Paulo ou do Casa Brasil estarão sobre o fio da navalha. O artigo IV, parágrafo IX, diz que dentre os profissionais que poderão exercer a profissão de técnico estão aqueles de ensino, pesquisa, experimentação e divulgação tecnológica.Mais uma vez, um tiro no pé da educação do Brasil que irá perder milhares de pessoas que levam o conhecimento básico da área de informática para interessados em escolas espalhadas pelos bairros das cidades de todo o país devido as “exigências da realidade”.

E o desfile não acabou. Para fechar com chave de ouro o projeto joga para a justiça assoberbada de trabalho os processos do conselho contra pessoas que estiverem exercendo a atividade sem o devido registro, que serão categorizados como contraventores e criminosos. Com isso aquele garoto de quinze anos que está em casa com seu computador corre o risco de abraçar 10 anos na cadeia se forem somadas as penas pela pirataria do software (já que não usa software livre), pela compra de equipamento contrabandeado e agora, por estar programando sem ter registro. Um cenário digno das comédias de Dante.

A falácia da regulamentação
Não é de hoje que a regulamentação de profissões se tornou uma fonte de renda esplendorosa para meia dúzia de espertalhões. Como exemplo, o CRA – Conselho Regional de Administração, tenta que todo o executivo de empresa seja um administrador visando principalmente não o fortalecimento da profissão, mas sim o bom lucro que é possível diante destes profissionais. Como fazer isso no mundo de CIO’s, CFO’s, CEO’s que são pessoas obrigatoriamente multidisciplinares, com dezenas de atribuições e conhecimentos muitas vezes antagônicos? Uma exigência absurda como esta derrubaria fora do país pessoas como Bill Gates, Steve Jobs, Carlos Slim de seus postos e no Brasil, a esmagadora maioria dos administradores das empresas públicas e outro enorme pedaço das privadas.

Neste comparativo entram quase todos os conselhos atuais, com exceção da OAB que mesmo não sendo um anjo de candura como alguns advogados acreditam (e eu engrosso mesmo não sendo advogado), possui um mecanismo que a difere de todos os outros: sua função não é somente a de zelar pela profissão, mas também atestar que aquele profissional que está saindo da faculdade é realmente um profissional. Mediante seu “exame da ordem” ela consegue filtrar, de uma forma ou de outra, aqueles que não possuem as mínimas condições de exercer a advocacia, peneirando assim, logo na primeira leva, o joio do trigo. Nos demais conselhos, somente uma anuidade prá cá, uma carteirinha prá lá, um diploma da faculdade “pegue e pague” e deixa-se de ser contraventor.

O senador ainda argumenta que a regulamentação da profissão de analista de sistemas e suas correlatas tornou-se uma exigência da realidade. Essa atividade, relativamente nova no mercado de trabalho, assumiu uma importância que não pode mais ser desconsiderada. Com estas palavras, além de mostrar que nada conhece da área já que a profissão existe no Brasil desde a década de 50, conseguiu ainda legar à marginalidade outras profissões que não possuem conselho ou que não “merecem” uma lei para a criação destes. Exemplo claro é dos professores que mesmo sendo aqueles que por suas mãos nossos filhos são formados e recebem seus diplomas de médicos, engenheiros, advogados ou administradores e que fazem parte de uma profissão tão importante, tão secular e tão presente em nosso cotidiano, não contam com um conselho. Será que a profissão de professor não tem importância ou será que ela não é uma exigência da realidade? Ou será qu existem outros interesses por trás do projeto?

Mas alguém ganha
Claro que sim, como sempre, alguém ganha. Ganham primeiramente aqueles que saíram de faculdades “pague e passe” que nascem aos borbotões em nosso país. Com as desculpas que agora poderemos trabalhar de igual para igual ou ainda que vai existir um piso salarial para todos, estes pseudo-profissionais serão beneficiados com o projeto pois poderão “carteirar” aquele que não entra no jogo sujo do conselho, denunciando o contraventor.

A grande desculpa destes para a criação do conselho é comparar espertamente a área de tecnologia com a área de medicina ou advocacia, alegando que é necessário ter uma regulamentação para a exclusão dos picaretas do mercado. Esta tarefa não é e não será realizada pelo conselho pois se assim fosse, prédios não cairiam e não seriam encontradas pinças e bisturis dentro de pessoas. Também não pode ser realizada pelo conselho pois ele não possui nenhum mecanismo que ateste a qualidade do profissional. Ela deve ser feita como é até agora e de forma extremamente eficiente, pelo mercado. Além disso a comparação peca por diversos motivos, sendo alguns deles a forma de aprendizado, as oportunidades de obtenção do conhecimento e a capilaridade do mercado e da profissão. Não existem certificações para medicina nos mesmos moldes da computação. Da mesma forma, não é encontrado fartamente na Internet conhecimento médico sobre neurocirurgia como é encontrado sobre Java. Este cenário faz com que seja muito mais fácil, rápido e producente ser um programador do que um neurocirurgião. Duas realidades totalmente distintas cujas formas de “atestar” o conhecimento são muito diferentes mas muito bem resolvidas para ambos os lados.

Se tudo isso não for suficiente, ainda existe a analogia da qual todos os que desejam um conselho fogem. A informática pode ser comparada hoje ao idioma português falado em nosso país. Sua presença é tão forte e não natural em nosso dia-a-dia que não é preciso ser formado ou ter um curso qualquer para mexer com um computador ou programá-lo. Da mesma forma que o português pode ser aprendido não somente na escola, a informática é onipresente em nossas vidas. Isso não ocorre com nenhuma outra área das comparadas, deixando-as então em um nicho específico onde é sim, sem dúvida, necessária uma regulamentação.

Também ganham estas mesmas faculdades que poderão usar de marketing de massa para alardear em seus domínios que seus cursos dão direito ao registro no conselho, enganando assim duplamente aquele que sua a camisa todos os dias e tenta com este mesmo suor ser alguém na vida.

Mas a lista não acaba. Em um exercício que me permito fazer sobre a “teoria da conspiração”, ganham certas empresas que lutam com unhas e dentes contra o software livre, contra a pesquisa da universidade pública e contra o compartilhamento do conhecimento. Com projeto de tal naipe será possível agregar valor nos cursos das faculdades acima citadas ou criar um pacote de conhecimentos para os técnicos que poderão então, além de serem certificados, ter o registro no conselho. Puro devaneio pouco provável mas nunca impossível.

E do outro lado” Quem perde?
Muitos. Perdem os empresários que, se não possuírem em seus quadros profissionais “carteirados”, estarão em maus lençóis com o conselho e com a justiça. Perdem as micro, pequenas e médias empresas que contratam um, dois, cinco profissionais e não mais poderão fazê-lo. Perdem os auto-didatas que por força da lei e não tendo como comprovar com uma carteira assinada, por exemplo, a condição de analista, não mais poderão exercer seu trabalho e finalmente perde a sociedade que, mediante a burocracia e “burrocracia”, decepa empregos, cria mais entraves para aqueles que realmente tentam fazer desta terra uma terra para todos e pagam o custo do produto informático que, com pouca concorrência, verá seu preço elevado (sendo que isso não reflete no aumento da qualidade).

Finalizando
O molde de conselho em nosso país é anacrônico e desprovido de mecanismos que interessam efetivamente a sociedade. E para uma profissão (e suas correlatas) tão dinâmica como a informática, torna-se uma verdadeira bola de ferro atrelada aos seus pés que nos leva na contramão do que acontece em todo o mundo. Países como Cingapura, Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e tantos outros do chamado primeiro mundo, além de outras dezenas do segundo, terceiro e quarto mundos deixam o mercado regular suas necessidades de informática e não possuem conselhos, mas sim entidades de profissionais que representam aqueles que desejam, SEM OBRIGÁ-LOS a se filiar na mesma. Suas principais funções são de criar uma estrutura aberta e não obrigatória que ateste tanto os conhecimentos quanto a ética dos profissionais, permitindo assim que estes tenham um “plus” em seus curricula.

Muito me impressiona o senador não ter consultado a área interessada (empresas e profissionais) ou ao menos ouvido as palavras daqueles que já estudaram e discutiram exaustivamente o assunto como é o caso da SBC – Sociedade Brasileira de Computação. O mesmo acontece com o relator, antigo conhecido nas polêmicas tecnológicas como o projeto de controle da Internet que certamente ouviu as águas da pampulha e não do DCC da UFMG, alguns quilômetros adiante.

Para nós, profissionais e empresas da área de tecnologia resta mais uma vez entrar na batalha contra o cerceamento do uso de nosso conhecimento ou, quem sabe, virar criminoso mas sem as benesses daqueles que possuem imunidade gozam.

6 comentário em “Regulamentação da informática?

  1. Julio Cesar

    Percebo o enxame de considerações incoerentes… O Analista de Sistemas é um profissional que exerce um papel fundamental na construção de SW. Especialmente no que tange à engenharia. Você compraria um prédio que foi projetado por um enfermeiro? Da mesma forma, permitiria que em um acidente os primeiros socorros fosse prestado por um geógrafo? Tudo bem que são atividades extremas, mas tem o mesmo valor. Quanto a médicos, dentistas, advogados contribuindo para o desenvolvimento de SW, todos sabemos que continuarão contribuindo com os mesmos valores, podendo ainda ser mais detalhistas, pois os Sw podem se classificar como Sistemas Especialistas, que vêm auxiliar o profissional na sua atuação. Essa justificativa ou argumento é inválido, incoerente e evazivo. O nobre colega não é profissional da área e deve ter construido seu conhecimento em cursinhos (que tem seu grande valor), mas que não dão uma orientação sóbria sobre qualidade, auditoria para o desenvolvimento, bem como as normas ISO para as mesmas.

  2. Giovani

    VERGONHA!!! HOJE, ME ARREPENDO DE SER FORMADO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO POIS NÃO TENHO GARANTIA DE NADA! O QUE SOMOS? PARA QUE FINALIDADE SERVE O CURSO? BANDO DE DADOS? REDES? ENGENHARIA DE SOFTWARE,? E O QUE UM técnico em informática, tecnólogo na área, bacharel em direito, filosofo, dentista, engenheiro civil, engenheiro elétrico ENTENDE SOBRE ISSO POXA?! PARA QUE SERVIU EU FICAR 5 ANOS ESTUDANDO!!! A ÁREA DE INFORMÁTICA NO PAÍS É UMA VERDADEIRA PALHAÇADA… PARA QUE SERVE A SBC?!?!

    COMO DEFINIMOS UM PROFISSIONAL DA ÁREA DE INFORMATICA? ANALISTA, ENGENHEIRO, ADMINISTRADOR??? DO QUE??? PARA QUE???

    POR QUE A ÁREA DE TI DEVE SER DIFERENTE DOS DEMAIS CURSOS??? É PRECISO APROVAR UM PROJETO DE LEI QUE PROTEJE QUEM É FORMADO, OU SEJA, QUEM BUSCOU QUALIFICAÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, FORTALECER A QUALIDADE DE SOFTWARE e morreu o assunto.

    1. Paulino Michelazzo

      Bem, se está arrependido, que tal tentar alguma outra coisa ao invés de ficar chorando pelos cantos?

  3. Alexandro Correa

    Não preciso sustentar um bando de vagabundos para supostamente dizerem o que eu sei fazer. Se eu sei, eu faço e quem gosta paga muito bem por isso. Essa é a ‘auto-regulação’ da informática… os bons profissionais são reconhecidos. Não é preciso se esconder atrás de uma carteirinha, como um covarde!!

  4. Kelvin Romero

    Achei sua postagem bastante informativa e foi o primeiro dos lados que “ouvi” até agora. Me fez ter uma nova ótica sobre a lei que li agora pouco. Meu ponto de vista, pelo menos na minha cidade os profissionais da área de informática andam meio desmoralizados (eu estudante de Redes no IFPB, recebo propostas de 30 reais pra sair de casa e diagnosticar problemas à particulares, porque um “amigo/subrinho” faz nesse preço). Mas os moldes apresentados pelo projeto de lei realmente não me garantem muita coisa além de uma mão alheia no meu bolso e uma corrente no meu pé.

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