Ainda existem pessoas que mesmo depois de tantas provas e inúmeros estudos, duvidam da capacidade do software livre de “fazer dinheiro”. Enraizados como uma sequóia milenar, não aceitam que algo “gratuito” possa ser responsável por dividendos tanto para quem cria, quanto para quem usa. E de onde vem esta dúvida? Porque ainda pensam assim e mais, o que fazer para mudar a visão míope destes?
O modelo do software livre não é novidade. Digo, a colaboração em torno de um bem comum é conhecida desde que somos seres humanos. Pesquisadores já afirmaram baseados em estudos ao redor do mundo que sempre fomos seres sociais e que compartilhávamos do convívio para a caça, a pesca e mais adiante, a agricultura. Nossos ancestrais viviam em um mundo muito diferente do nosso mas já sabiam que compartilhar o fogo, o alimento e o medo, tornavam as tarefas mais fáceis para todos e todos ganhavam com isso.
Milhares de anos depois, já na Idade Média, nasceu a prensa de Gutemberg que permitiu a mudança da partilha do conhecimento por meio do conto para o papel. Democratizou-se (em partes, claro) a sabedoria que poucos detinham para uma massa inumerável de pessoas no velho continente e na Ásia. Mais uma vez, a partilha se tornou a principal força motriz para levar a sociedade adiante.
Assim a história prova por meio de seus longos e longos anos que o compartilhamento é inerente a nós e que é benéfico à todos. Aquele que pensa o contrário, ou vive fora da Terra ou seu nível de mesquinhês suplanta qualquer outro sentimento.
Richard Stallman não inventou o software livre. Ele já existia desde o ínicio da história da computação quando as empresas produziam hardware e precisavam do software que era embarcado neste hardware, sem ônus. Seu grande feito foi organizar o caos e trazer de volta a essência do software e do ser humano, fechada por interesses de alguns poucos que somente visavam retorno financeiro. Com esta organização sob uma licença livre, conseguimos hoje garantir a partilha do conhecimento existente em cada linha de código dos milhões de softwares livres existentes no mundo. Cada pedaço passível de uso por qualquer pessoa, onde estiver e para qualquer propósito.
Como o licenciamento de software, seja ele qual for, é uma caixa preta distante da realidade do leigo em questões jurídicas, criam-se mitos em torno destes que permitem as mais difusas interpretações, tais como “o software livre não pode ser vendido”. Explicando uma vez por todas: ele pode ser vendido. Não existe em nenhuma linha da principal licença livre, a GPL (General Public License), algo que diga ao contrário. Outras licenças livres também não possuem tal restrição e não me lembro, em meus parcos conhecimentos, uma que faça algo semelheante (se você conhece, por favor, entre em contato comigo e me avise).
Mas empresas e pessoas que não desejam ver o crescimento do compartilhamento de idéias e softwares embutem de forma magistral no pensamento dos menos avisados que a obtenção de lucro com o software livre, além de não ser permitido, é impossível. “Não existe almoço grátis”, “alguém tem que pagar a conta” e “coisa grátis é ruim” são sempre os principais argumentos usados. Como o ouvinte tende a acreditar naquele que fala, principalmente por seu alto cargo dentro de uma enorme empresa multinacional, não passa por sua cabeça a possibilidade de manipulação. “Imagine, como uma empresa como esta iria me enganar?” Infelizmente a verdade está longe disso.
Desta forma, pessoas de todos os tipos, culturas e níveis sociais são realmente manipuladas por interesses maiores que os seus próprios de uma forma muito eficiente: mexendo no bolso, o órgão mais sensível do ser humano. Diante da possibilidade de ver os filhos passando fome por não ter dinheiro para pagar a conta do almoço, corretamente afastam-se do software livre e continuam a viver dentro do seguro mundo da ignorância (já me disseram certa vez que a ignorância é uma bênção).
Não existe argumento para um pai apavorado com esta possibilidade e seria um despropósito enorme fazê-lo. Antes de qualquer ideologia ou desejo, colocamos sempre o bem estar de nossos filhos adiante de qualquer coisa. Resumidamente, o medo é a forma mais eficiente de afastar do compartilhamento de conhecimento, pessoas que tem interesse em fazê-lo.
Como mudar este pensamento?
Não é tarefa fácil pois a munição daqueles que não desejam a continuidade destas idéias libertárias é grande e quase infinita. Mas existem meios eficientes para fazê-lo valendo-se principalmente de bons exemplos.
Durante dois anos e meio fui dono de uma empresa “livre” onde usávamos software livre como ferramentas para a produção de soluções de Internet para clientes em todo o país. O mais interessante era que em nossa carteira de clientes, a grande maioria não era de pequenas empresas, mas sim de grandes empresas e instituições que procuravam a redução de custo de desenvolvimento e também a qualidade que o software livre apresenta. Mais ainda, eram clientes que estavam saindo do mundo do software licenciado por meio de pagamento para abraçar uma solução que trouxesse mais conforto na administração do código e mais liberdade para a escolha dos fornecedores.
Neste período mantive dezenas de profissionais trabalhando, pagando seus salários e entregando os projetos com o fruto da venda de serviços baseados em softwares já existentes, mas que precisam de customizações e adaptações para serem usados nos diversos cenários de clientes de vários segmentos da economia. Eu era então uma micro-empresa que usando o software livre, gerava emprego e renda da mesma forma que qualquer outra empresa.
Este é um pequeno exemplo mas como ele existem milhares espalhados pelo Brasil e pelo mundo. São empresários e pessoas que desafiam o modelo atual para trabalhar com novas opções que na maioria das vezes mostram-se muito mais vantajosas em sua lucratividade.
Nada muda na concepção de uma empresa. Continua-se a pagar impostos (infelizmente), continua-se a contratar pessoas, continua-se a ter projetos com milestones, tarefas e atores e continua-se a ter prazos. O que muda é somente a plataforma que está sendo usada para a entrega de uma solução ao cliente, nada mais que isso. Se colocarmos lado a lado uma empresa que trabalha com softwares do modelo de licenciamento pago e uma empresa que trabalha com softwares livres, veremos que as obrigações são as mesmas, os custos os mesmos e as atividades idem. Entretando, o custo de aquisição na segunda coluna é reduzido a zero, o que impacta diretamente no valor final pago pelo cliente.
É importante ressaltar que não só de serviços vive o software livre, mas também de produtos. Imagine por exemplo uma caixinha com uma placa-mãe, um processador, alguma memória e um pequeno disco rígido com um sistema operacional livre embarcado que juntos geram um dispositivo multimídia para uso na televisão da sala. O que muda entre o uso do software livre e o software proprietário neste cenário? O custo do hardware que é menor na primeira opção pois não são necessários potentes processadores e diversos gigabytes de memória e claro, o sistema operacional que não tem custo de aquisição e vai reduzir, no mínimo, o valor total em 6%. Bom para quem faz, bom para quem compra.
A seguir
Sei que deixar as garantias de lucro certo (se é que isso tem garantia) para embarcar num modelo diferente não é tarefa fácil. Eu mesmo antes da criação de minha empresa pensei milhares de vezes naquela condicional “e se…” Muita coisa pode dar errada e dá errada, principalmente quando não se planeja as ações. Isso não é somente para uma empresa “livre”; todas elas sofrem do mesmo mal em nosso país, independentemente do modelo a ser adotado (o Sebrae sabe bem disso).
Para que a roda da economia gire de forma correta é necessário o planejamento habitual para qualquer negócio mas também a coragem de desbravar novas oportunidades. Já pensou se Colombo não tivesse atravessado o Atlântico há cinco séculos atrás? Outro teria feito e poderíamos hoje falar um idioma diferente.
Pense a respeito.
Em tempo: a empresa foi vendida para um grupo de investidores e hoje me dedico a consultoria com outra empresa, livre é claro.
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