Dizem que o diabo mora nos detalhes. Se verdadeiro é, desconheço. Mas tenho certeza que o brasileiro quer perder seu emprego para um indiano.
Dias atrás postei uma oportunidade em meu site pessoal para buscar um parceiro que trabalhasse com front-end web. Ao contrário da grande maioria das oportunidades postadas em websites de vagas, ela estava formatada com uma descrição simples, fácil de entender e somente continha pequenas solicitações básicas para o candidato, que não incluíam entrevista, teste de QI, dinâmica de grupo e tampouco envio de curriculum.
Bastavam dois parágrafos de texto dizendo porque o candidato deveria ser escolhido, qual era sua conta de Facebook e no Twitter e o endereço de seu portfólio eletrônico.
Frisei na mesma que o profissional precisaria ser detalhista. Até mesmo escrevi em letras maiúsculas e com negrito pois acredito que um profissional de front-end, aquela pessoa que converterá um layout de um designers para uma página HTML, deve atentar-se muito a detalhes como fontes, cores, tamanhos dos elementos pois seu trabalho será a porta de entrada da solução vendida para o cliente.
Repassando-a para alguns amigos, estes fizeram um bom “spam” em diversas redes e recebi dezenas de mensagens de interessados. Porém a esmagadora maioria tive que descartar pois ao contrário do que os leitores podem imaginar, as mensagens enviadas não continham o solicitado: dois parágrafos de texto, endereços dos Twitter, Facebook, LinkedIn e portfólio. Então vem a pergunta: como pode uma pessoa que se diz “profissional” não se atentar para aquilo que é pedido numa vaga (e que não é escalar o Everest)? Como pode este “profissional” ser realmente detalhista com o trabalho que precisa ser desenvolvido? Realmente duvido e faço pouco destes ditos “profissionais” que possuem a falsa certeza que seus dotes técnicos suplantam qualquer deficiência existente.
Chega-se então na infeliz conclusão que o brasileiro é acometido de um mal crônico nas relações trabalhistas. Com fatos como este e um histórico de que não é necessário pensar mas somente executar (tal qual um robô), muitos não percebem que este cenário mudou, que as profissões mudaram e que as exigências para empregabilidade também. Hoje não mais é possível simplesmente fazer mas também ter a desenvoltura para saber fazer. Se quiser chamar isso de “jeitinho” que seja, mas parece que até esta fajuta característica o brasileiro anda perdendo.
Então vem a Índia dando lavada no brasileiro (e noutros também). Com uma capacidade enorme para replicar detalhes e até mesmo erros, os indianos aos poucos ceifam as oportunidades de trabalhadores de diversos países com custo baixo, mas principalmente porque aprenderam a jogar com as regras novas. Anteriormente, pouco instruídos, passaram por uma revolução interna mirando as oportunidades existentes em todo o planeta, com boa educação e com a mudança de postura para o trabalho, algo que para nós, sinto demorar mais meio século para acontecer.
Vejo todos os dias no Twitter, LinkedIn, Facebook e listas de discussão, dezenas de oportunidades específicas para a área que atuo. Para algumas delas vejo o “retorno” dado pelo candidato e me pergunto onde está com a cabeça. A última que me recordo, uma empresa no nordeste procurava um programador e postou a vaga numa lista de discussão frequentada por programadores com todas as informações necessárias para se candidatar a mesma. Uma das respostas, na própria lista, o “candidato” sai com a pérola “eu quero, me dê detalhes!!!”. Imagine a resposta da empresa…
Insisto em bater na tecla da educação sempre. Porém, creio que o profissional brasileiro não entende o contexto da palavra “educação” e tampouco como ela deve ser usada (inclusive por não ter educação). De nada adiantam diplomas ou certificações se o profissional não sabe interpretar um simples anúncio na web ou num jornal. As profissões de ponta (e principalmente aquelas relacionadas com a área de TI) não demandam robôs. Precisam de profissionais que sabem resolver problemas sozinhos, que tomem decisões e principalmente que conheçam seus limites. Nada mais importante que estas características.
Se conselho ajudar, aqui fica um: não invista somente em sua capacidade técnica. Gastar milhares de reais em faculdades, cursos, livros e certificações e não saber ler um anúncio para compreender o que seu possível empregador deseja, é tão útil como lanterna num campo aberto em dia de sol a pino. Vá além e invista na sua “educação” além da parte técnica. Ela certamente será a diferença entre você ser um robô e você comandar um robô.
Artigo originalmente publicado na Revista Wide.