Foram árduos dez anos mas enfim conseguimos. Depois de deputados, prefeitos, senadores, professores, doutores, músicos e cineastas, na última edição do FISL – Fórum Internacional de Software Livre realizado em Porto Alegre no final de junho, o presidente brasileiro lá esteve junto com sua comitiva de ministros e outras autoridades do governo. Para alguns pode ter sido algo eleitoreiro, mas para outros (e para mim também) um verdadeiro marco na história do software livre brasileiro e mundial.
Normalmente presidentes não se metem com questões tão “pequenas” quanto as de software, pode-se advogar até com certa razão. Verdade; principalmente em um país como o nosso onde o nível das mazelas e safadezas desfraldadas na grande mídia é quase pauta obrigatória de todos os dias e certamente um presidente tem mais o que fazer. Mas enganam-se aqueles que nesta máxima acreditam. O software, quer queira quer não, é hoje algo tão onipresente como a telefonia celular (que inclusive não seria possível sem ele) e a presença de tão alta autoridade dentro do maior evento de software livre da América Latina indica que algumas coisas estão mudando em nossa terra brasilis.
A primeira é: o software livre deixou o gueto, deixou a academia, deixou as rodinhas de nerds e foi parar nas empresas, organizações e governos de todo o mundo. Acredite, cedo ou tarde você mesmo que não queira, vai acabar abraçando um numa esquina da vida. Esta condição advém de sua maturidade, do pragmatismo de alguns que deixaram o discurso xenófobo de lado e partiram para mostrar que pingüins são, além de mais simpáticos que maçãs e janelas, não mordem e não fazem mal para ninguém (além de não propagar vírus, seja de gripe suína ou informática).
Segundo: o software livre é uma das formas mais claras, rápidas e baratas para conseguirmos participar mano a mano na nova economia globalizada. Com ele é possível levar sinal de Internet para todos os igarapés e vielas de nosso país e em seu bojo a educação tão necessária para deixarmos de ser “emergentes” para realmente colocarmos a cabeça para fora do lodo. Mais conhecimento sendo compartilhado com todos; mais cabeças pensantes e mais recursos para nosso país. A conta é simples e fácil de ser entendida por qualquer pessoa.
Terceiro: o software livre é a forma mais racional de redução de custos para todos os segmentos da economia. Não falo somente de licenciamento de software, mas de toda a cadeia, seja na aquisição e upgrade dos parques de computadores, seja na manutenção e administração de sistemas, seja na reengenharia ou desenvolvimento de novas soluções de software. Com ele, cifrões podem ser redirecionados para outras áreas principalmente em momentos de crise como os que estamos vivendo.
Tudo isso a “trupe” do software livre já sabia, mas faltava alguém dar o “aval” e realmente assinar embaixo para que os mais céticos passassem também a acreditar. E este momento foi certamente a presença de nosso presidente no FISL. Mais que uma operação de marketing para as próximas eleições (porque fazer marketing deste tipo no meio de nerds é chutar defunto), suas palavras ecoaram em todos os continentes do mundo nas vozes de dezenas de palestrantes internacionais que marcaram presença. Onde mais Peter Sunde, o criador do The Pirate Bay e algoz de toda a ira da grande indústria mundial do copyright, poderia falar a mesma língua que um presidente? Somente em nossa terra. Numa clara demonstração de estar afinado com o tema, seu discurso foi pautado principalmente pelo apoio ao trabalho de tantos anônimos que fazem desta opção, a melhor para todos e pela condenação verbal as práticas policialescas que alguns teimam em transformar em leis para o cerceamento dos mínimos direitos que ainda possuímos. De sua boca sairam as palavras que nossa Internet é livre e não será vigiada, mantendo sua característica nata de descentralização e liberdade.
Mas o que isso tem a ver com você? Longe das propagandas de medo, incerteza e dúvida pregadas por aqueles que traçam paralelos absurdos como o roubo de um carro e o download de uma música, o software livre não vem para tratá-lo como um marginal ou ainda um ladrão de banco. Ao contrário disso, oferece a oportunidade para que você possa compartilhar seu conhecimento com todos para que a roda da sociedade continue a virar dando oportunidades para que todos nós, com um mínimo de esforço possamos também participar. A intenção não é vender uma poção mágica para ninguém, mas sim ofertar uma condição que coloque todos em um mesmo patamar onde não é o dinheiro que fala mais alto, mas sim o desejo de se sobressair a qualquer coisa.
Alguns leitores devem achar que é muito confete para uma banda tão pequena. Não é. Somente quem está envolvido com esta opção sabe o que é se defender de inverdades ditas por aqueles que não querem fatiar o bolo. Mas, já dito, água mole, pedra dura, tanto bate até que fura, levamos o presidente e sua turma para o FISL e por uma tarde fizemos deste não somente o “the man”, mas também o “the hacker”. E se ele pode ser, porque você não?