Vai ano, vem ano e ciclicamente o assunto retorna: o reduto convergente de todas as tendências do software livre brasileiro passa pela prova de fogo de ver a própria liberdade controlada ou não. A filosofia nos ensina que a liberdade é o caráter ou condição de um ser que não está impedido de expressar, ou que efetivamente expressa, algum aspecto de sua essência ou natureza, ou seja, não existe impedimento de expressão mesmo daqueles mais contundentes e contrários aos pensamentos de outros.
O assunto em questão não é a moderação ou não da lista. O assunto já desviado é para a criação de um “conselho de notáveis” nos quais deixaremos o poder de por ou tirar aqueles que são contra ideologias, visões ou tendências, amordaçando-os e executando-os sumariamente. Tal atitude na minha opinião agride a essência daquilo que defendemos: liberdade. Será esta liberdade que queremos? Será a detenção da plena verdade, desde que seja a “nossa” verdade que queremos? Ou será, no fundo, que não estamos preparados para ter e exercer a liberdade que tanto almejamos?
Devemos quebrar mais um paradigma de nossa vida, de nossa história, tal qual o software livre está fazendo. Bradamos aos quatro ventos que somos uma comunidade anárquica, revolucionária, diante de seu tempo. E assim mesmo estamos aqui discutindo se iremos utilizar mecanismos de séculos atrás dentro desta comunidade? Se a resposta é sim, desculpem meus amigos mas nós mentimos para nós mesmos todos os dias. Quando usamos o discurso para aqueles que estão fora de nosso círculo, nos apresentamos como os revolucionários, os modernos. Mas dentro do círculo, continuamos da mesma forma que a estrutura externa. Aqui cabe bem um dito popular: por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento.
De minha parte, rogo aos colegas que pensem a respeito disso. Não é moderando, cerceando ou amordaçando que vamos resolver. Iremos resolver aprendendo com as diferenças existentes e principalmente tolerando-as. Muitos aqui citam, falam e entoam palavras de Gandhi, um dos maiores defensores da liberdade e tolerância. Onde estão estes neste momento? Ou será que mesmo estes não acreditam nas palavras que saem de suas bocas, de suas mãos? Será que precisamos de DOI-CODI, DOPS, PE, SNI e outros mecanismos de “inteligência” para nós mesmos? Será que precisamos de patrulhas de quaisquer tipo para nós mesmos? Será que precisamos usar regras arcaicas e apodrecidas do sistema tradicional para nós mesmos? Se somos tão modernos, tão revolucionários, que cortemos em nossa carne e aceitemos a liberdade como ela é: um arcabouço de diferenças que coexistem dentro de um mesmo espaço.
Não acredito que este é o caminho. Acredito que tenhamos que passar por crises assim. Já passamos antes e novamente iremos passar. Não usemos diferenças de pensamento, de visões, de tendências de quaisquer tipo para, no afã de resolver de forma simples, darmos um tiro no pé. De nada irá adiantar cortar o braço se o sangue está ruim. Ficaremos sem o braço, depois sem outro braço, e uma perna, e outra perna até não sobrar nada. Temos que trabalhar a essência do “problema” que está em nós mesmos em não aceitar as visões diferentes, mesmo aquelas contundentes. Com moderação ou sem ela, iremos enfrentar os mesmos problemas mas em escala maior. Seremos taxados de “cerceadores da livre expressão” ou ainda de “panelinha do software livre” onde somente os amigos dos amigos podem participar.
Saudações daquele que ainda acredita que as flores vencem o canhão.