Depois de quinze dias de comentários e mensagens que beiram o fanatismo, retomo o tema da regulamentação com mais alguns pontos passíveis de serem pensados na cama.
Posso classificar as duas últimas semanas que se passaram como muito interessantes e também muito esclarecedoras. Imaginava que o assunto da regulamentação da área de informática era picante mas confesso que não esperava a enxurrada de mensagens eletrônicas que recebi e tampouco a quantidade de acessos ao artigo na Dicas-L. Além disso, o texto foi comentado mais de cem vezes de todas as formas possíveis, variando desde a ignorância sem limites até acréscimos de idéias interessantes ao assunto.
Diante disso não poderia me furtar de retornar ao tema e comentar o que foi dito pelos leitores. Assim preferi aguardar para, em conjunto com outros comentários em outros sites onde o assunto foi abordado, juntar novos inputs ao mesmo e responder tudo de uma vez só. Claro que este artigo não é somente para refutar comentários, mas principalmente trazer à luz do tema alguns pontos que não foram percebidos pela grande maioria dos participantes.
“Filinho de papai”, “sem conhecimento de informática” e “40 anos”
A Internet é sem sombra de dúvida a mais fácil, mais ágil e mais eficiente forma de saber qualquer coisa sobre qualquer coisa. Desde informações sobre os templos de Angkor no Camboja até os dados pessoais de uma pessoa, tudo é possível dentro da rede. Mas de nada adianta a informação estar disponível; é preciso também saber encontrá-la e principalmente querer encontrá-la. Pelo visto o time da regulamentação não é muito bom em nenhuma destas coisas além de usar técnicas conhecidas desde a Idade da Pedra para subjulgar seus oponentes usando o medo, dúvida e incerteza como armas.
Minha afimação acima advém de comentários onde fui aviltado por alguns que tiraram conclusões sem ao menos pesquisar o mínimo necessário. Dentre elas estão a minha falta de conhecimento de informática, ter meus quarenta anos e ser “filinho” de papai. Ora, nenhum destes (e outros tantos) comentários são verídicos e poderiam ser facilmente verificados com uma pesquisa no Google ou ainda na própria página inicial da coluna. Pior ainda é ver estes mesmos defensores sem a mínima capacidade de procurar o projeto de lei para comentá-lo mas mesmo assim o idolatram. Com isso fica a certeza que estes são, via de regra, incapazes de debater uma idéia e apresentar seus pontos de vista de forma que seja efetivamente feito um debate em torno de qualquer assunto, o que me traz o medo de ter estes mesmos debatedores como diretores de um conselho, pois fico imaginando o nível de conselheiros que teríamos.
“referente a assunto Regulamentar a informática”, “profissional abilitado” e outros açoites ao português (que não é o da padaria).
Não, não me venha com a desculpa que se escreve errado por causa da velocidade de digitação. Erro de digitação é trocar uma letra por outra e não cometer erros crassos de ortografia ou concordância, principalmente quanto quem os comete passou por uma faculdade, é legalmente portador de um diploma universitário e defende que sua profissão seja regulamentada. Não seria o caso do conselho ter também uma prova de português para estes “profissionais”?
O mínimo que se espera de uma pessoa que estudou durante pelo menos quinze anos de sua vida é que saiba se expressar e conheça o idioma nativo. Tenho que concordar que um analista de sistemas, um cientista da computação, um técnico em processamento de dados ou qualquer outro profissional que trabalha com “zeros” e “uns” não possui a obrigação de escrever em português erudito. Mas disto a escrachar o idioma profetizando frases sem contexto e com ortografia digna de riso é no mínimo falta de interesse. Direito a escrever errado tem somente os Demônios da Garoa, o restante não (mais uma vez fico imaginando o nível de conselheiros que teríamos).
Os analistas responsáveis pelas vidas alheias
Teima-se como criança birrenta em traçar um paralelo entre médicos, dentistas ou engenheiros com um analista de sistemas ou profissional de informática, usando para isso a regulamentação da profissão e a responsabilidade sobre vidas alheias. Diante da teimosia me veio ao pensamento algo interessante: quando estava retornando da Ásia em janeiro passado, a viagem entre Dubai e São Paulo foi realizada num aparelho com cerca de 350 pessoas a bordo. Pensando agora sobre o assunto, questiono-me se tanto o piloto quanto o co-piloto faziam parte de algum conselho como o CRPCPA – Conselho Regional dos Pilotos e Co-Pilotos de Aviões, afinal eles estavam não somente conduzindo um equipamento de duzentos milhões de dólares, mas também eram responsáveis pela vida de 350 pessoas.
Procurei saber se existe um conselho de pilotos. Não, não existe em nenhum país do mundo mas existem organizações nacionais, regionais, estaduais e até municipais, sendo que todas são organizações não-governamentais que não possuem vínculo com os governos e tampouco obrigam que pilotos se associem as mesmas. Mas então, como é regulada a profissão? Simples: o piloto precisa estudar, ser aprovado em vários testes e ter X horas de vôo para poder pilotar equipamentos que vão desde pequenos Cesnas monomotores até gigantes A380. Esta estrutura não obriga que o piloto seja um especialista em aerodinâmica ou ainda um perito em física. Ele precisa provar que sabe pilotar, só isso (claro que nas provas existem várias questões de cunho científico).
Estas organizações não são excludentes, ao contrário. Elas permitem que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento e que passe nos testes seja um piloto. Não se exclui ninguém da profissão quer seja por diploma, curso superior, profissão anterior ou coisa que o valha. Um exemplo interessante é do famoso ator de hollywood John Travolta que além de seus filmes campeões de bilheteria, também é piloto certificado em diversos aparelhos com mais de cinco mil horas de vôo e foi o primeiro piloto “não-beta” a levantar um A380 do chão. Alguns podem achar estranho esta faceta do premiado ator, principalmente quando este estudou artes dramáticas e não engenharia. Será que por isso ele não poderia pilotar e ter sob sua tutela 300 pessoas dentro de um avião?
Na contramão deste pensamento vejo a queda do Expresso Tiradentes em São Paulo esta semana e fica o questionamento: onde estava o conselho que não fiscalizou os engenheiros que estúpidamente derrubaram toda aquela montanha de concreto? E se a trajédia tivesse acontecido daqui há dois anos com ele em funcionamento, vinte ônibus em cima e mais algumas centenas de carros embaixo?
O pior equívoco comentido pela maioria dos comentaristas é confundir regulamentação com regulação. Permito-me dizer que a maioria, senão a totalidade daqueles que são contra a regulamentação, não são contra a regulação pois estes inclusive já vivem sob ela. Entretanto aqueles que são a favor da regulamentação, na esmagadora maioria dos casos não sabem qual a sutil diferença entre os dois adjetivos no contexto em que se aplica. O primeiro, a regulamentação, visa não a profissão mas sim criar regras que muitas vezes são anacrônicas para o profissional. Já regular é aquilo que vemos no cotidiano da informática: uma modelagem de dados seguindo padrões pré-estabelecidos, um protocolo que possui regras para seus pacotes trafegarem em uma rede, a tipagem de uma linguagem e assim por diante. Isso regula o que fazemos no dia-a-dia e regulamentar não irá regular a profissão pois tal qual um piloto, o profissional não precisa de um órgão atrelado a um governo para dizer o que ele deve ser. O governo (será que ele?) deveria somente regular a informática em conjunto com outros órgãos mundiais e não enfiar sua colher suja no angú dos outros.
Quem cuida de direitos do profissional não é um conselho, é um sindicato. Isso é tão claro como água cristalina. Sindicatos são responsáveis por defender os direitos de trabalhadores de suas categorias perante qualquer instância. Metalúrgicos não possuem conselho pois a regulação do trabalho é feita mundialmente sob parâmetros já estabelecidos. Metalúrgicos possuem sindicatos que defendem os interesses da categoria no tocante aos seus direitos e deveres. Este é um único exemplo de profissional. Poderiam ser citadas outras centenas mas não existe necessidade aqui. Entretanto, fica a pergunta: você já viu a OAB, CRA, CREA, CRM, CRP ou outro conselho qualquer convocando greve da categoria? Por quê será que não?
Qualificar por meio de um conselho?
Outro ponto interessante que foi levantado é que o conselho traria a qualificação do profissional. Tentando ver pela mesma ótica, não encontro um conselho dos montadores de computadores Dell, HP, Lenovo ou qualquer outro que seja em qualquer país do mundo. Procuro na Malásia e China onde estão estabelecidos os maiores parques de montagem de máquinas e nem mesmo um sindicado para defender os interesses destes trabalhadores quase escravos existe na maioria destes países. Mas mesmo assim estas máquinas continuam a melhorar de qualidade dia após dia, mesmo que a passos de tartaruga. Também tento encontrar o “conselho dos metalúrgicos da indústria automotiva do ABC e adjacências” e não encontro. Mas da mesma forma que os montadores de hardware, nossos carros saem das fábricas com problemas, mas em número muito menor que há dez anos. Será que quando criado um conselho para estes profissionais, os produtos melhorariam efetivamente pelo fato de todo o montador ter a necessidade de ser engenheiro ou torneiro mecânico ou será que o treinamento constante e efetivo (o qual nenhum conselho é capaz de fornecer) é mais eficiente?
Você não pode fazer software, você é geneticista
A pós-doutora e professora da UFMG Ana Cristina Matte coordena os grupos de estudo do SEMIOFON que resumidamente estuda a semiótica e acústica da fala do português brasileiro. Mas ela juntamente com outros professores de univesidades públicas do Brasil (já que as privadas não fazem pesquisa como já dito pelo dono da Estácio de Sá no Rio de Janeiro), por força deste projeto terão que ficar só na masturbação mental. Explico: a pós-doutora se formou em música pela Unicamp, fez mestrado e doutorado em linguística e finalmente seu pós-doutorado está na área de fonética. Ou seja, nada a ver com informática (ledo engano não?). Mas faça uma visita ao site do SEMIOFON e veja onde está a fonética.
O mesmo irá acontecer com pesquisadores que trabalham com agricultura dentro do famoso Instituto Agronômico de Campinas. Teremos que esquecer pesquisas de citros, de soja, de café, de arroz e outras tantas porque estes profissionais são engenheiros agrônomos e não analistas de sistemas. Fazer software não poderão e, além disso creio que não vão querer pagar para dois conselhos diferentes.
Pior mesmo ficarão os paulistanos que terão agora um analista de sistemas formado na FMIA prevendo a meteorologia. Como ele entende de software e não de nuvens, qualquer coisa entre um cirrus e um cumulus será imperceptível e claro, não trará efeitos para a população. Também teremos um abacaxi daqueles para descascar com este projeto já que está em moda a questão do direto eletrônico. O direito é área de advogados, juízes, promotores, procuradores e todos aqueles que cursam uma faculdade de direito. A área eletrônica a que se refere o direito é voltada a informática. Então, como ficamos? O advogado terá que fazer outra faculdade de análise de sistemas porque não poderá falar técnica e juridicamente sobre um software e tampouco fazer qualquer coisa que seja da área de informática ou tecnologia porque não é analista?
Estou exagerando? Pois leia o projeto e verá que não. “Mas quem vai fazer o software não é a lingüista, o agrônomo, o meteorologista ou o advogado, mas sim o analista.” Sim, é verdade. Mas se qualquer um destes possuir a capacidade para fazê-lo, não será possível pois não é formado na área e além disso o projeto veta o “empréstimo” do nome do analista para terceiros. E aquele que é de uma destas áreas e “empresta” seus conhecimentos para área de software, o que faz?
Mais um outro problema. Esqueçamos o OLPC e o Linux em seu kernel 2.4. Um dos principais responsáveis por eles é um garoto que só entrou em faculdade para ministrar palestra ou participar de evento e mesmo assim, por mais incrível que possa parecer, foi contratado por um tal de Nicholas Negroponte para fazer parte da equipe que cria softwares usados em todo o mundo e antes disso teve o aval de um tal de Linus Torvalds para cuidar de um kernel de um sistema operacional que é usado por milhões de pessoas.
Equipes multidiciplinares
Mas o melhor ainda está por vir e será o cenário de Mad Max que iremos participar. Empresas de todo o país não mais poderão criar equipes multidiciplinares para o desenvolvimento de software pois muitas vezes os pares que trabalham nestas equipes não possuem um conselho do lado de lá e muitas vezes também não possuem um curso superior. Mas mesmo que o participante tenha um diploma debaixo do braço, este diploma deverá ser revalidado no país para que ele possa atuar. Mais burocracia, mais entraves e uma reserva de mercado embutida de brinde no projeto. Nem mesmo Mister M faria mágica melhor.
Com linhas de acesso rápidas, tecnologias DSL e 3G e o custo de equipamentos portáteis sendo reduzidos dia-a-dia, o trabalho na área de TI será cada vez mais globalizado e passível de ser realizado de qualquer parte do planeta. Mesmo não tendo sob meu braço manco um diploma, são vários os projetos que já entreguei para clientes na Europa, Ásia e América do Norte. Nunca fui questionado no tocante a minha formação, mas sim tive que apresentar referências sobre meu trabalho para que fosse avaliado e pudesse pegar o job, não importando onde estava. Da mesma forma, aquela que é considerada a melhor universidade da América Latina não procurou saber se a pessoa que iria colocar seu novo website no ar dentro do prazo previsto possuia um diploma de engenharia ou análise, mas procurou alguém que não deixasse a magnífica reitora esperando.
Não se deixe enganar
Um conselho não vai resolver problema de mão-de-obra qualificada. Um conselho não vai resolver problemas de maus profissionais e não irá garantir salários dignos (coisa que nem o mínimo é digno). Nos moldes que o conselho foi pensado, não existe nada em absoluto que separe o joio do trigo. Ao contrário disso, aqueles que não são capazes de enfrentar o “instalador de Windows” e que saíram da FMIA6 poderão ser equiparados com aqueles que saem das melhores faculdades do país e lutar lado a lado numa greve do CRI por melhores salários. Um sonho que possivelmente aqueles que são desta nobre universidade oram para todos os deuses que se concretize.
A solução não é um conselho atrelado ao governo ou quiçá uma central sindical. A solução é a organização dos diversos grupos da informática para que criem suas organizações e com elas possam debater o futuro da profissão como um todo. Vejamos os profissionais de Java dentro de seus grupos, as organizações de profissionais de segurança da informação ou ainda aquelas voltadas para os DBA’s. Precisamos mais que isso?
O exemplo de fóruns de discussão são muito bons para esta situação. Em um fórum encontram-se pessoas que sabem muito e pessoas que não sabem nada mas mesmo assim lá estão aprendendo, crescendo. Não existe obrigação da associação mas claro que quando uma empresa precisa de um profissional, a busca é iniciada normalmente dentro destes ambientes e suas qualificações são efetivamente usadas como aquilo que separa o bom do mau profissional. Será que um conselho é capaz de trazer esta sinergia para todos e principalmente, separar o que presta do que não presta?
Pense a respeito.Depois de quinze dias de comentários e mensagens que beiram o fanatismo, retomo o tema da regulamentação com mais alguns pontos passíveis de serem pensados na cama.
Posso classificar as duas últimas semanas que se passaram como muito interessantes e também muito esclarecedoras. Imaginava que o assunto da regulamentação da área de informática era picante mas confesso que não esperava a enxurrada de mensagens eletrônicas que recebi e tampouco a quantidade de acessos ao artigo na Dicas-L. Além disso, o texto foi comentado mais de cem vezes de todas as formas possíveis, variando desde a ignorância sem limites até acréscimos de idéias interessantes ao assunto.
Diante disso não poderia me furtar de retornar ao tema e comentar o que foi dito pelos leitores. Assim preferi aguardar para, em conjunto com outros comentários em outros sites onde o assunto foi abordado, juntar novos inputs ao mesmo e responder tudo de uma vez só. Claro que este artigo não é somente para refutar comentários, mas principalmente trazer à luz do tema alguns pontos que não foram percebidos pela grande maioria dos participantes.
“Filinho de papai”, “sem conhecimento de informática” e “40 anos”
A Internet é sem sombra de dúvida a mais fácil, mais ágil e mais eficiente forma de saber qualquer coisa sobre qualquer coisa. Desde informações sobre os templos de Angkor no Camboja até os dados pessoais de uma pessoa, tudo é possível dentro da rede. Mas de nada adianta a informação estar disponível; é preciso também saber encontrá-la e principalmente querer encontrá-la. Pelo visto o time da regulamentação não é muito bom em nenhuma destas coisas além de usar técnicas conhecidas desde a Idade da Pedra para subjulgar seus oponentes usando o medo, dúvida e incerteza como armas.
Minha afimação acima advém de comentários onde fui aviltado por alguns que tiraram conclusões sem ao menos pesquisar o mínimo necessário. Dentre elas estão a minha falta de conhecimento de informática, ter meus quarenta anos e ser “filinho” de papai. Ora, nenhum destes (e outros tantos) comentários são verídicos e poderiam ser facilmente verificados com uma pesquisa no Google ou ainda na própria página inicial da coluna. Pior ainda é ver estes mesmos defensores sem a mínima capacidade de procurar o projeto de lei para comentá-lo mas mesmo assim o idolatram. Com isso fica a certeza que estes são, via de regra, incapazes de debater uma idéia e apresentar seus pontos de vista de forma que seja efetivamente feito um debate em torno de qualquer assunto, o que me traz o medo de ter estes mesmos debatedores como diretores de um conselho, pois fico imaginando o nível de conselheiros que teríamos.
“referente a assunto Regulamentar a informática”, “profissional abilitado” e outros açoites ao português (que não é o da padaria).
Não, não me venha com a desculpa que se escreve errado por causa da velocidade de digitação. Erro de digitação é trocar uma letra por outra e não cometer erros crassos de ortografia ou concordância, principalmente quanto quem os comete passou por uma faculdade, é legalmente portador de um diploma universitário e defende que sua profissão seja regulamentada. Não seria o caso do conselho ter também uma prova de português para estes “profissionais”?
O mínimo que se espera de uma pessoa que estudou durante pelo menos quinze anos de sua vida é que saiba se expressar e conheça o idioma nativo. Tenho que concordar que um analista de sistemas, um cientista da computação, um técnico em processamento de dados ou qualquer outro profissional que trabalha com “zeros” e “uns” não possui a obrigação de escrever em português erudito. Mas disto a escrachar o idioma profetizando frases sem contexto e com ortografia digna de riso é no mínimo falta de interesse. Direito a escrever errado tem somente os Demônios da Garoa, o restante não (mais uma vez fico imaginando o nível de conselheiros que teríamos).
Os analistas responsáveis pelas vidas alheias
Teima-se como criança birrenta em traçar um paralelo entre médicos, dentistas ou engenheiros com um analista de sistemas ou profissional de informática, usando para isso a regulamentação da profissão e a responsabilidade sobre vidas alheias. Diante da teimosia me veio ao pensamento algo interessante: quando estava retornando da Ásia em janeiro passado, a viagem entre Dubai e São Paulo foi realizada num aparelho com cerca de 350 pessoas a bordo. Pensando agora sobre o assunto, questiono-me se tanto o piloto quanto o co-piloto faziam parte de algum conselho como o CRPCPA – Conselho Regional dos Pilotos e Co-Pilotos de Aviões, afinal eles estavam não somente conduzindo um equipamento de duzentos milhões de dólares, mas também eram responsáveis pela vida de 350 pessoas.
Procurei saber se existe um conselho de pilotos. Não, não existe em nenhum país do mundo mas existem organizações nacionais, regionais, estaduais e até municipais, sendo que todas são organizações não-governamentais que não possuem vínculo com os governos e tampouco obrigam que pilotos se associem as mesmas. Mas então, como é regulada a profissão? Simples: o piloto precisa estudar, ser aprovado em vários testes e ter X horas de vôo para poder pilotar equipamentos que vão desde pequenos Cesnas monomotores até gigantes A380. Esta estrutura não obriga que o piloto seja um especialista em aerodinâmica ou ainda um perito em física. Ele precisa provar que sabe pilotar, só isso (claro que nas provas existem várias questões de cunho científico).
Estas organizações não são excludentes, ao contrário. Elas permitem que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento e que passe nos testes seja um piloto. Não se exclui ninguém da profissão quer seja por diploma, curso superior, profissão anterior ou coisa que o valha. Um exemplo interessante é do famoso ator de hollywood John Travolta que além de seus filmes campeões de bilheteria, também é piloto certificado em diversos aparelhos com mais de cinco mil horas de vôo e foi o primeiro piloto “não-beta” a levantar um A380 do chão. Alguns podem achar estranho esta faceta do premiado ator, principalmente quando este estudou artes dramáticas e não engenharia. Será que por isso ele não poderia pilotar e ter sob sua tutela 300 pessoas dentro de um avião?
Na contramão deste pensamento vejo a queda do Expresso Tiradentes em São Paulo esta semana e fica o questionamento: onde estava o conselho que não fiscalizou os engenheiros que estúpidamente derrubaram toda aquela montanha de concreto? E se a trajédia tivesse acontecido daqui há dois anos com ele em funcionamento, vinte ônibus em cima e mais algumas centenas de carros embaixo?
O pior equívoco comentido pela maioria dos comentaristas é confundir regulamentação com regulação. Permito-me dizer que a maioria, senão a totalidade daqueles que são contra a regulamentação, não são contra a regulação pois estes inclusive já vivem sob ela. Entretanto aqueles que são a favor da regulamentação, na esmagadora maioria dos casos não sabem qual a sutil diferença entre os dois adjetivos no contexto em que se aplica. O primeiro, a regulamentação, visa não a profissão mas sim criar regras que muitas vezes são anacrônicas para o profissional. Já regular é aquilo que vemos no cotidiano da informática: uma modelagem de dados seguindo padrões pré-estabelecidos, um protocolo que possui regras para seus pacotes trafegarem em uma rede, a tipagem de uma linguagem e assim por diante. Isso regula o que fazemos no dia-a-dia e regulamentar não irá regular a profissão pois tal qual um piloto, o profissional não precisa de um órgão atrelado a um governo para dizer o que ele deve ser. O governo (será que ele?) deveria somente regular a informática em conjunto com outros órgãos mundiais e não enfiar sua colher suja no angú dos outros.
Quem cuida de direitos do profissional não é um conselho, é um sindicato. Isso é tão claro como água cristalina. Sindicatos são responsáveis por defender os direitos de trabalhadores de suas categorias perante qualquer instância. Metalúrgicos não possuem conselho pois a regulação do trabalho é feita mundialmente sob parâmetros já estabelecidos. Metalúrgicos possuem sindicatos que defendem os interesses da categoria no tocante aos seus direitos e deveres. Este é um único exemplo de profissional. Poderiam ser citadas outras centenas mas não existe necessidade aqui. Entretanto, fica a pergunta: você já viu a OAB, CRA, CREA, CRM, CRP ou outro conselho qualquer convocando greve da categoria? Por quê será que não?
Qualificar por meio de um conselho?
Outro ponto interessante que foi levantado é que o conselho traria a qualificação do profissional. Tentando ver pela mesma ótica, não encontro um conselho dos montadores de computadores Dell, HP, Lenovo ou qualquer outro que seja em qualquer país do mundo. Procuro na Malásia e China onde estão estabelecidos os maiores parques de montagem de máquinas e nem mesmo um sindicado para defender os interesses destes trabalhadores quase escravos existe na maioria destes países. Mas mesmo assim estas máquinas continuam a melhorar de qualidade dia após dia, mesmo que a passos de tartaruga. Também tento encontrar o “conselho dos metalúrgicos da indústria automotiva do ABC e adjacências” e não encontro. Mas da mesma forma que os montadores de hardware, nossos carros saem das fábricas com problemas, mas em número muito menor que há dez anos. Será que quando criado um conselho para estes profissionais, os produtos melhorariam efetivamente pelo fato de todo o montador ter a necessidade de ser engenheiro ou torneiro mecânico ou será que o treinamento constante e efetivo (o qual nenhum conselho é capaz de fornecer) é mais eficiente?
Você não pode fazer software, você é geneticista
A pós-doutora e professora da UFMG Ana Cristina Matte coordena os grupos de estudo do SEMIOFON que resumidamente estuda a semiótica e acústica da fala do português brasileiro. Mas ela juntamente com outros professores de univesidades públicas do Brasil (já que as privadas não fazem pesquisa como já dito pelo dono da Estácio de Sá no Rio de Janeiro), por força deste projeto terão que ficar só na masturbação mental. Explico: a pós-doutora se formou em música pela Unicamp, fez mestrado e doutorado em linguística e finalmente seu pós-doutorado está na área de fonética. Ou seja, nada a ver com informática (ledo engano não?). Mas faça uma visita ao site do SEMIOFON e veja onde está a fonética.
O mesmo irá acontecer com pesquisadores que trabalham com agricultura dentro do famoso Instituto Agronômico de Campinas. Teremos que esquecer pesquisas de citros, de soja, de café, de arroz e outras tantas porque estes profissionais são engenheiros agrônomos e não analistas de sistemas. Fazer software não poderão e, além disso creio que não vão querer pagar para dois conselhos diferentes.
Pior mesmo ficarão os paulistanos que terão agora um analista de sistemas formado na FMIA prevendo a meteorologia. Como ele entende de software e não de nuvens, qualquer coisa entre um cirrus e um cumulus será imperceptível e claro, não trará efeitos para a população. Também teremos um abacaxi daqueles para descascar com este projeto já que está em moda a questão do direto eletrônico. O direito é área de advogados, juízes, promotores, procuradores e todos aqueles que cursam uma faculdade de direito. A área eletrônica a que se refere o direito é voltada a informática. Então, como ficamos? O advogado terá que fazer outra faculdade de análise de sistemas porque não poderá falar técnica e juridicamente sobre um software e tampouco fazer qualquer coisa que seja da área de informática ou tecnologia porque não é analista?
Estou exagerando? Pois leia o projeto e verá que não. “Mas quem vai fazer o software não é a lingüista, o agrônomo, o meteorologista ou o advogado, mas sim o analista.” Sim, é verdade. Mas se qualquer um destes possuir a capacidade para fazê-lo, não será possível pois não é formado na área e além disso o projeto veta o “empréstimo” do nome do analista para terceiros. E aquele que é de uma destas áreas e “empresta” seus conhecimentos para área de software, o que faz?
Mais um outro problema. Esqueçamos o OLPC e o Linux em seu kernel 2.4. Um dos principais responsáveis por eles é um garoto que só entrou em faculdade para ministrar palestra ou participar de evento e mesmo assim, por mais incrível que possa parecer, foi contratado por um tal de Nicholas Negroponte para fazer parte da equipe que cria softwares usados em todo o mundo e antes disso teve o aval de um tal de Linus Torvalds para cuidar de um kernel de um sistema operacional que é usado por milhões de pessoas.
Equipes multidiciplinares
Mas o melhor ainda está por vir e será o cenário de Mad Max que iremos participar. Empresas de todo o país não mais poderão criar equipes multidiciplinares para o desenvolvimento de software pois muitas vezes os pares que trabalham nestas equipes não possuem um conselho do lado de lá e muitas vezes também não possuem um curso superior. Mas mesmo que o participante tenha um diploma debaixo do braço, este diploma deverá ser revalidado no país para que ele possa atuar. Mais burocracia, mais entraves e uma reserva de mercado embutida de brinde no projeto. Nem mesmo Mister M faria mágica melhor.
Com linhas de acesso rápidas, tecnologias DSL e 3G e o custo de equipamentos portáteis sendo reduzidos dia-a-dia, o trabalho na área de TI será cada vez mais globalizado e passível de ser realizado de qualquer parte do planeta. Mesmo não tendo sob meu braço manco um diploma, são vários os projetos que já entreguei para clientes na Europa, Ásia e América do Norte. Nunca fui questionado no tocante a minha formação, mas sim tive que apresentar referências sobre meu trabalho para que fosse avaliado e pudesse pegar o job, não importando onde estava. Da mesma forma, aquela que é considerada a melhor universidade da América Latina não procurou saber se a pessoa que iria colocar seu novo website no ar dentro do prazo previsto possuia um diploma de engenharia ou análise, mas procurou alguém que não deixasse a magnífica reitora esperando.
Não se deixe enganar
Um conselho não vai resolver problema de mão-de-obra qualificada. Um conselho não vai resolver problemas de maus profissionais e não irá garantir salários dignos (coisa que nem o mínimo é digno). Nos moldes que o conselho foi pensado, não existe nada em absoluto que separe o joio do trigo. Ao contrário disso, aqueles que não são capazes de enfrentar o “instalador de Windows” e que saíram da FMIA6 poderão ser equiparados com aqueles que saem das melhores faculdades do país e lutar lado a lado numa greve do CRI por melhores salários. Um sonho que possivelmente aqueles que são desta nobre universidade oram para todos os deuses que se concretize.
A solução não é um conselho atrelado ao governo ou quiçá uma central sindical. A solução é a organização dos diversos grupos da informática para que criem suas organizações e com elas possam debater o futuro da profissão como um todo. Vejamos os profissionais de Java dentro de seus grupos, as organizações de profissionais de segurança da informação ou ainda aquelas voltadas para os DBA’s. Precisamos mais que isso?
O exemplo de fóruns de discussão são muito bons para esta situação. Em um fórum encontram-se pessoas que sabem muito e pessoas que não sabem nada mas mesmo assim lá estão aprendendo, crescendo. Não existe obrigação da associação mas claro que quando uma empresa precisa de um profissional, a busca é iniciada normalmente dentro destes ambientes e suas qualificações são efetivamente usadas como aquilo que separa o bom do mau profissional. Será que um conselho é capaz de trazer esta sinergia para todos e principalmente, separar o que presta do que não presta?
Pense a respeito.