O governo brasileiro autoriza a instalação de bloqueadores de cópias (sic) em aparelhos de HDTV. Enquanto isso, a Europa investe US$ 22 milhões em uma rede P2P para a distribuição de conteúdo na Internet. Será que não estamos andando para trás?
O ex-repórter da Rede Globo e atual Ministro das Comunicações, Hélio Costa, lançou na última quarta-feira um dilema para o governo brasileiro. Em notícia veiculada no “Estadão”, a indústria de tv’s instalada em solo tupiniquim recebe sinal verde para embutir nos aparelhos aqui produzidos um dispositivo que coíbe a cópia do conteúdo digital veiculado pelas emissoras, principalmente novelas, filmes e jogos dos campeonatos de futebol.
Como no país do carnaval nem tudo aquilo que é dito vira fato mas gera um turbilhão, o ministro já tenta contornar e amenizar a futura gritaria em torno do assunto dizendo que a indústria pode produzir, mas o uso ainda não está autorizado. É mais ou menos como um refrigerador que possui saída de gelo na porta que você usa como suporte para vaso. Para completar, diz que já existe um consenso (entre quem?) que uma cópia para uso doméstico será permitida (mais não) e que a decisão está amparada em um movimento mundial de produtores que são a favor do bloqueio. Além disso, advoga que pela cópia ser idêntica ao original, a pirataria é facilitada.
O leitor não entendeu? Eu também não mas a notícia mostra em suas entrelinhas quanto o ministro e seus assessores pouco sabem do que falam e quanto mal interados estão em relação aos caminhos que a sociedade trilha no Século XXI. A pirataria não depende da qualidade da cópia, o “movimento” dos produtores, se existe, é somente para a inclusão de mais alguns chips dentro dos aparelhos e geração de mais alguns dólares e finalmente, se uma cópia basta, milhares podem ser feitas a partir da cópia (cópia da cópia é pirataria?). No final, perde o usuário que não pode gravar seus programas como na época do VHS e também perde com o pagamento adicional de um equipamento inóculo para a época de “DVD John” e outros.
Na linha de frente contra o dispositivo e suas consequências já estão os ministérios da Cultura e Educação que sentem o movimento como um cerceamento do conteúdo digital e do uso da interatividade para ao menos reduzir custos na distribuição de programas que possam levar cultura e educação a todos os recantos do país. Entretanto a batalha não será contra o Ministério das Comunicações mas sim contra os grandes impérios da comunicação que reinam em nosso país ditando desde o que usamos até o que assistimos no dia-a-dia. Um embate digno de transmissão em cadeia nacional.
Enquanto isso, no velho continente
Na contramão do grande estado americano a Comunidade Européia, agora mais forte do que nunca, investe a bagatela de vinte e dois milhões de dólares (cerca de 15 milhões de Euros) para criar um cliente de redes P2P open source com o intuito de compartilhar conteúdo principalmente aos 50% de usuários que hoje, de forma “ilegal”, fazem downloads de shows televisivos. Com isso esperam não só criar um novo mercado para seus pares e conglomerados como a BBC e Deutsche Welle (que já fazem parte dos esforços europeus para criar esta nova ferramenta), mas também disponibilizar de forma legal conteúdo variado e de qualidade para os usuários. Na mesma linha, a ferramenta denominada P2P-Next deverá ser usada para a veiculação de publicidade, programas educacionais e também para abrir novas oportunidades aos amadores e pequenos profissionais que não possuem condições de arcar com os custos e burocracia inerentes aos meios de comunicação tradicionais. No final a equação traz mais gente vendo o que mais gente está fazendo no conforto da poltrona de casa.
Ainda atrelado a cultura do cerceamento, os Estados Unidos mantém a visão arcaica de cem anos atrás e tentam exportar suas técnicas de DRM por meio da RIAA e MPAA, principalmente para países fracos em atitudes como é o caso do Brasil. Alguns ainda acreditam que fechar é a melhor opção, sejam para os lucros, seja para a manipulação. Ledo engano. Estes que possuem exemplo há 200 km de distância de seu território rezam pela cartilha do “faça o que eu digo mas não faça o que faço”, ou seja, pregam a liberdade em vários países e continentes de nosso planeta e, ao mesmo tempo, criam mecanismos para cada vez mais controlar espectadores, leitores e usuários de tudo aquilo que pode ser considerado como criação humana. Tudo em prol do sonho americano que hoje não passa de um sonho, efetivamente.
Para nós brasileiros que embarcamos agora na era digital sobra somente a esperança que com a saída do atual ministro para concorrer as próximas eleições, seu sucessor acerte o tom junto com o músico/ministro Gil e ofereça aos cidadãos não mais uma forma de cerceamento, mas sim uma forma de criação coletiva e distribuição partilhada à todos. Que os exemplos sejam seguidos daqueles que são mais velhos e não dos adolescentes da história que acreditam sempre estarem certos.
Sim, ainda sonho com a utopia mas, se não sonhar, que irá fazê-lo?