Não pense que estou falando do grupo especial da polícia carioca. Nada disso. Falo da BoP – Base of Pyramid ou, no bom português, base da pirâmide. Nela existem oportunidades inimagináveis que na maioria das vezes são convenientemente esquecidas porque o trabalho é árduo para se retirar algo substancial dela.
Todos querem atender os “cem mais”; as cem maiores empresas, os cem maiores bancos, as cem maiores padarias. Mas todos esquecem as milhares de pequenas portinhas que diariamente clamam por soluções de TI decentes e não as encontram justamente pelo fato de não existir glamour em atendê-los. Todos desejam ter em seu portifólio a Sadia, o Citibank, a Audi, a Petrobrás e esquecem da “Padaria do Joaquim”, do “Armarinho da Zefa” ou ainda da “Farmácia do Tião”. Tolos estes que ainda teimam com esta teoria e se esforçam numa briga diária para pegar um pedacinho da pelanca quando poderiam estar comendo muito melhor simplesmente “olhando para baixo”.
Não tem nada de errado nisso. Claro que é muito bom ter grandes contas como clientes. Mas o bom empreendedor (aquele que quer realmente fazer algo diferente), vai olhar com olhos diferentes a base da pirâmide. Só no Brasil são mais de 5 milhões de micro e pequenas empresas, legais ou não, esperando por soluções de TI de todos os tipos. Da mesma forma, o crescimento da rede em nosso país chega a 4.5% ao mês impulsionado em sua maioria pelas classes baixas da sociedade que está entrando nela e consumindo. Como se esquecer disso?
Ainda não acredita? Pois o que é a última onda da Internet, os sites de compra coletiva, que não um brado dos “pobres” rumo ao consumo? Paga-se menos para obter o mesmo produto e/ou serviço antes destinados a uma fatia alocada em um patamar mais alto da pirâmide. Como ignorar este movimento executado pela base da pirâmide sem perceber o volume de dinheiro ali existente? Só mesmo ofuscado pela tentativa de comer do bife dos grandões para não enxergar.
A Apple provou por A + B que isso é fato. Temos a iTunes Store vendendo milhões de músicas a 0,99 centavos de dólar. É pouco? Claro que sim. O que é um dólar? Menos que um cafezinho decente em uma cidade como São Paulo. Entretanto, o que são 10 milhões de músicas vendidas? Quase 10 milhões de dólares ou, para quem não quer fazer muita conta, umas 40 Ferraris na garagem.
Contamos com uma oportunidade única no mundo e não aproveitamos. Temos um país com 200 milhões de habitantes que estão, aos trancos e barrancos, entrando na Internet como usuários, consumidores e empreendedores. Todos eles, inevitavelmente fazem parte da cadeia econômica do país movendo dinheiro para lá e para cá e sem dívidas. Com isso, mais e mais oportunidades abrem-se para aqueles que, como minha avó dizia (e creio que a sua também), vão devagar e sempre, seja vendendo um dedal, um parafuso de cabo de serrote, um game ou ainda um serviço em modo SaaS (Software As A Service).
Aliada a entrada deste enorme conjunto de pessoas na rede, está a facilidade do mundo digital. Nunca em toda a história da raça humana conseguimos distribuir algo de forma tão barata e simples. O meio digital proporciona opções das mais interessantes possíveis, bastando um pouco de criatividade e claro, muito suor do rosto para fazer acontecer.
Em 2007 andando pelas ruas de Ho Chi Min, antiga Saigon, me deparei com uma portinha que fazia adesivos exclusivos para tampas de laptops. A pessoa ia até a loja com um desenho que era plotado num adesivo vinílico e depois recortado para ser colado na dita tampa. Algum tempo depois me deparo com a mesma loja (ou concorrente) fazendo isso na web: envia-se o desenho via Internet e recebe-se em casa o adesivo para a colagem. Ridículo não é? Sim, mas a facilidade de uso da rede para eliminar a pernada até a loja e o aproveitamento do mercado aquecido de laptops para a venda de milhares de adesivos em todo o país é o segredo. Vendendo a 20 reais cada adesivo com um custo de confecção e entrega que não ultrapassa 10, a margem de lucro é de 100%. Que me vem a cabeça agora, somente drogas podem dar tanto lucro assim.
Mas quem compra estes adesivos? O rico? Que nada! Ele não vai colar um adesivo em seu MacBook Pro de 9 mil reais. Quem vai fazer isso é aquele que não compra um MacBook mas deseja da mesma forma ter algo interessante, diferente e que na maioria das vezes o diferencia dos demais, inclusive para chamar a atenção (como é o caso da brilhante maçã da tampa dos Mac’s), ou seja, a base da pirâmide. Em um cenário que cresce a taxas acima de 50% ao ano, imagine quanto vinil precisa ser comprando para atender a demanda.
Casos como estes podem surgir aos milhares em todo o país sem a necessidade, novamente, de tentar comer da pelanca do bife das cem mais. O segredo está no volume do que é vendido versus a entrega e armazenamento. Se a operação pode ser escalada de forma a valer a pena (a conta é fácil hein), faça e não espere. Caso contrário outro vai fazer (já viu quantos são os sites de compras coletivas por ai?) e você fica chupando o dedo. A dica vale também para mercados transversais a pirâmide, ou aqueles chamados nichos que podem estar escondidos a espera de alguém que ofereça o produto/serviço. Que tal, por exemplo, um delivery de tudo o que pode-se comprar para um centro comercial? Só para economizar a pernada, certamente não lhe faltará clientes.
Em tempo. Se você se interessa pelo assunto, indico fortemente a leitura do livro Next Generation Business Strategies for the Base of the Pyramid: New Approaches for Building Mutual Value. As informações no mesmo valem cada cent gasto mas também pode ser lido na web clicando no link acima.
PS: o arquivo do artigo pode ser obtido no site da Revista Wide onde originalmente foi publicado. Ele está disponível clicando-se aqui.
Exelente !! Ótimo artigo, não podemos pensar muito, temos de fazer muito e rápido.
Interessante o artigo, tenho lido muito sobre o tema e é a primeira vez que vejo um retratando os pequenos empreendimentos como “Base da Pirâmide”.
E são isso mesmo, ou não?
Saudações