Eu estava lá

Conheça a história da criação do CMS Joomla! por quem estava lá na “sala de parto” quando tudo começou.

Em meados de 2003 comecei a trabalhar com ferramentas de gestão de conteúdo. Naquela época ainda reinavam os CMS’s proprietários com larga vantagem sobre aqueles licenciados sob alguma licença livre. Minha escolha de trabalho era pela segunda opção e nesta seara existiam dois bons concorrentes: Drupal e Mambo.

Não me recordo porque de minha escolha pelo Mambo naquele tempo, mas creio que a interface visualmente amigável, a quantidade de usuários da ferramenta no Brasil (que era expressivo) e também a comunidade de desenvolvedores em torno do projeto me fizeram debandar para o lado dele. Isto não quer dizer que o Drupal fosse pior ou melhor que o Mambo; nada disso. Somente questões pontuais de escolha, nada mais que isso.

Entre 2004 e 2005 o Mambo atingiu seu ápice. Grandes websites usavam o CMS no mundo todo (como a Porsche Brasil desenvolvido por Igor Dutra e a MTV na Holanda), a comunidade crescia em números exponenciais toda a semana e o projeto recebeu 5 prêmios mundiais como a melhor solução Open Source de CMS. Também aqui no Brasil o cenário não era diferente; empresas e instituições que procuravam uma solução de baixo custo e de fácil administração e uso ouviam falar do Mambo e rapidamente o adotavam tanto em intranets quando na Internet. Parecia que o céu era o limite. Parecia…

A reviravolta

Antes de contar a reviravolta, é preciso que o leitor dê alguns passos atrás a fim de entender onde cada peça estava em cima do tabuleiro.
O Mambo foi criado em 2000 como um software proprietário pela Miro International Pyt Inc., empresa australiana que decidiu em abril de 2001 criar um projeto de software livre em torno do mesmo e licenciar seu código sob uma licença livre (a GPL – General Public License) mas ainda mantendo sua versão própria e não liberando os direitos de copyright inerentes ao mesmo. Isso gerou atritos e problemas (inclusive legais) com os desenvolvedores da comunidade que se formou em volta do projeto pois além de partes de códigos eram usados sem autorização (ou anuência) dentro da versão proprietária, não era um modelo realmente livre ou gerido pela comunidade; existia uma empresa detentora dos direitos da ferramenta e isso incomodava.

Esta situação se arrastou durante ao menos dois anos. Durante este período alguns líderes da comunidade começaram a se mover no intuito de criar uma organização que cuidasse e zelasse pelo copyright do código, nome e tudo aquilo que fazia parte do CMS pois esta seria a melhor forma de garantir a existência do projeto e a continuidade da ferramenta no futuro, sem interferências externas.

A Mambo Foundation

Em 2005, já conhecido no mundo todo e com uma comunidade forte ao redor, as discussões sobre a fundação tomam mais corpo e o caldo engrossa. Mensagens acaloradas dentro dos fóruns oficiais mostravam o descontentamento da comunidade com a situação e, na tentativa de amenizar os problemas, a Miro International cria em agosto deste ano a Mambo Foundation que seria, teoricamente, a fundação responsável pela guarda do Mambo. Porém existia um problema: em sua diretoria de transição (tecnicamente criada para a passagem do bastão à comunidade) estavam dois representantes da empresa ocupando cargos de destaque (a presidência e a secretaria) e os demais por líderes da comunidade (Robert Castley, Andrew Eddie e Jim Begley).

Este cenário foi considerado por muitos um golpe de estado impetrado pela Miro International que no jargão coloquial “não queria largar o osso” e rapidamente a comunidade se mobilizou para a criação de um novo projeto baseado no código do Mambo, atitude esta conhecida como “fork” de um projeto (que é legal e mais comum do que se imagina).

O nascimento do Joomla!

Muito se disse (e até hoje pensa-se) que o nascimento do Joomla! aconteceu devido a mudança de licenciamento do código do Mambo que estava deixando de ser livre. Não é verdade; seu nascimento deu-se por causa da discussão que se arrastava por dois anos e também pelo golpe branco da Miro International. O Mambo até hoje é licenciado sob GPL e todo o copyright nas mãos da Mambo Foundation.

Logo quando a diretoria da recém-formada fundação foi anunciada, alguns líderes com força dentro da comunidade Mambo decidiram criar um novo CMS chamado Joomla! que em idioma Swahili quer dizer “tudo junto”. Este era o foco; comunidade, código, padrões; tudo junto para fazer um CMS livre.

Como esperado de grandes líderes, grande parte da comunidade seguiram-os e estes começaram a trabalhar numa nova ferramenta para eliminar todo o código proprietário ainda restante e realmente criar um novo CMS. Com isso a força da comunidade Mambo tornou-se a cada dia menor enquanto, de outro lado, a comunidade Joomla! crescia de forma assustadora e fora de qualquer padrão já visto em projetos de software livre, fruto do descontentamento e do desejo de real liberdade daqueles que desenvolviam as milhares de linhas de código do CMS.

Morte agoniante e crescimento vertiginoso

Numa tentativa desesperada de manter o Mambo vivo, as pessoas da Miro International foram forçadas a deixar seus cargos na fundação e uma eleição dentro da comunidade escolheu seus membros para a nova diretoria (da qual inclusive fiz parte sendo o único latino-americano até hoje nela). Infelizmente já era tarde. O Joomla! crescia rapidamente e o ranço contra o Mambo tomou conta de tudo; código, nome, fóruns, etc. Durante um ano trabalhamos arduamente para manter o CMS e o projeto em funcionamento até que em 2007 o principal líder técnico decide largar suas atividades e seguir novos rumos. Com isso, o pouco de gás que ainda existia exauriu-se.

Hoje, dez anos depois de sua criação, o Mambo não possui sequer um porcento do que ele já foi no passado. De outro lado, o Joomla! É considerado como um dos melhores CMS’s Open Source existentes e conta com milhares de desenvolvedores em todo o mundo que produzem, verificam e corrigem milhões de linhas de código a todo o instante para deixá-lo cada vez melhor. Nascido da mesma fonte, ele toma o lugar de seu pai no cenário mundial das ferramentas de gestão de conteúdo com a força da comunidade que está em volta dele.

Não posso dizer que foi ruim este período. Ao contrário, foi de muito aprendizado principalmente pela conduta da comunidade que conseguiu em pouco tempo melhorar o que já existia e dar um novo caminho para uma ótima ferramenta provando que o software livre é algo realmente colaborativo e, roubando versos de Geraldo Vandré, posso afirmar que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” pois eu estava lá participando de momento tão interessante da história destes dois espetaculares CMS’s.

4 comentário em “Eu estava lá

    1. Paulino Michelazzo

      Olá Charles. Obrigado por me avisar. Já corrigi o mesmo.
      Abraços

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